31.5.18

Apontamentos de Lagos - O 25 de Abril

No "Correio de Lagos" deste mês

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Notas Soltas – maio/2018

1.º de Maio – Por mais que a sociedade de consumo se aproprie da festa e a esvazie de conteúdo, a data será sempre a da festa dos trabalhadores, no simbolismo da luta pelos seus direitos e na lembrança dos mártires que os reivindicaram.
Reino Unido – A conveniente acusação à Rússia pelo envenenamento de um ex-espião, que levou à retaliação diplomática de países da Nato, exige provas. As guerras, como a do Iraque, serviram para resolver problemas aos agressores. O RU está sob suspeita.
Cambrydge Analytyca – A falência da empresa que atraiçoou as democracias e usou a fraude ao serviço dos piores políticos é um óbito desejado, mas não faltam recursos para novas formas de usar o conhecimento da Internet ao serviço do neoliberalismo.
Moçambique – A morte de Afonso Dhlakama pode ter ocorrido na altura em que fosse útil à pacificação do País, mas a conduta terrorista do filho de régulo, fez jus ao partido tribal – Renamo –, criado pela racista Rodésia e sustentado pela guerra fria.
Rússia – A tomada de posse do autocrata Putin, convenientemente abençoado pelo líder da Igreja ortodoxa, é a metáfora do percurso político do País e dos seus dirigentes, uma inversão ideológica do ex-líder do KGB da URSS sem alteração da sua natureza.
EUA – A rutura do pacto nuclear com o Irão, decidida por Trump, considerada um erro grave por Obama, foi a denúncia unilateral de um tratado difícil de obter e uma traição a Teerão, à Europa e à paz mundial. Trump destruiu 12 anos de frutuosas negociações.
Jaime Marta Soares – O Presidente da Liga dos Bombeiros, um deplorável autarca que arruinou as finanças de Poiares durante décadas, é hoje um provocador profissional, nos incêndios, no futebol e na política, a exigir que o travem e o tratem. É nefasto.
Israel – A história cria Estados cuja conflitualidade é irrefreável, mas é intolerável que a Palestina e Israel não sejam dois Estados que a comunidade internacional imponha e defenda. Inaceitável é o expansionismo sionista ou a sua última agressão à Síria.
Alemanha – Há 73 anos, os EUA eram na Europa o país mais confiável e a Alemanha o menos. Hoje, invertidas as posições, é Merkel a avisar a Europa de que não pode confiar já no velho aliado, depois de Trump abandonar o pacto nuclear com o Irão. Tem razão.
Trump – Um líder do país mais poderoso, capaz de rasgar os compromissos assumidos, desde a normalização das relações com Cuba até ao acordo mundial sobre o clima e ao profícuo acordo sobre a desnuclearização do Irão, torna-se um perigo universal.
Timor – O regresso de Xanana Gusmão ao poder, com eleições realizadas em clima de alguma tensão e indiscutível legitimidade, é motivo de satisfação para Portugal, que se bateu pela independência, e assiste aí ao funcionamento de uma democracia.
Espanha – A monarquia, herança de Franco, passou de contrabando na Constituição. O rei Juan Carlos encarregou Aznar de apresentar um estudo sigiloso para abdicar e evitar o debate sobre república ou monarquia. Obteve a sucessão e a im(p)unidade perpétua!
Catalunha – O nacionalismo concilia posições políticas antagónicas e dispensa metade da população, que recusa o aventureirismo secessionista. Ter um presidente de esquerda ou de direita torna-se irrelevante perante o delírio emocional da sua identidade.
Vítor Constâncio – O notável economista, mal-amado em Portugal, e de saída do BCE, defendeu em Malta, com enorme lucidez e sólida argumentação, a política orçamental e económica comum na UE, antecipando o desastre a que vai conduzir a sua ausência.
Aquecimento global – Alheios ao futuro, à falta de água, oxigénio, ozono, espaço vital, emprego e segurança, há dirigentes políticos, autênticos predadores, que fingem ignorar que a Terra acumula 400 meses seguidos de temperaturas superiores à média histórica.
Papéis do Panamá – A excitação geral sobre a denúncia de quem pôs dinheiro lá fora, ficando cá dentro, foi o fogo fátuo que se apagou com o rasto das transferências que as Finanças perderam nos últimos tempos de Cavaco, Passos Coelho, Portas e Maria Luís.
António Arnaut – Faleceu um Homem. Fica o seu exemplo cívico e a obrigação de perpetuarmos os valores por que se bateu, os ideais que foram seus e fazermos nossa a luta que travou pelo SNS, a democracia e a liberdade.
Irão – As ameaças feitas por Trump, de uma violência sem precedentes, não são apenas um insulto e um ataque à soberania de um País, são um ato de chantagem, um ultimato e uma declaração de guerra. É inaceitável que a força se sobreponha ao direito.
Margarida Balseiro Lopes – A jovem deputada, cujo discurso do 25 de Abril foi uma bela surpresa, quer a alteração dos estatutos do PSD, de modo a permitirem a expulsão dos militantes condenados por corrupção. Excelente desafio aos outros partidos.
Partido Popular Espanhol (PP) – Pela primeira vez um partido político foi condenado. O PP, que governa a Espanha, ‘participante a título lucrativo pelos atos eleitorais que as empresas do grupo Correa apoiaram’, beneficiou de um crime. Que desconhecia!!!
Irlanda – A colossal vitória do Sim no referendo da despenalização do aborto, sujeito a penas severas, incluindo casos de violação, incesto e malformação do feto, é uma vitória dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher contra a intransigência da Igreja católica.
Itália – Os partidos xenófobos e populistas, que a repetição de eleições ameaça reforçar, não assustam apenas os investidores italianos e os cidadãos com poupanças, arriscam a crise institucional na UE, lançando o caos nos mercados e nas economias da zona euro.
Eutanásia – Ficou adiado o direito individual de decidir a morte por quem é incapaz de suportar a dor de uma vida sem esperança. A decisão da AR é legítima, mas são injustas a disciplina de voto, em questões de consciência, e a poluição confessional da votação.
Mensário «Praça Alta» - Ponte EuropaSorumbático

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30.5.18

IMPRESSIONISMO

Por A. M. Galopim de Carvalho
Impressionismo, Fauvismo, Futurismo, Cubismo, Neoplasticismo, Simbolismo, Expressionismo, Suprematismo, Dadaísmo, Surrealismo, Raionismo, Construtivismo, Realismo, Modernismo e outros “ismos” são nomes que os historiadores e os críticos de arte criaram e “tratam por tu”, que “assustam” os muitos que nada sabem deste domínio da criatividade humana (e a Escola nada nos ensinou nestas matérias), mas que podem ser perfeitamente explicados por palavras que todos entendem.
Todos eles designam movimentos artísticos onde, de modo menos ou mais subjectivo se têm “arrumado” as obras de um sem número de artistas. Todos eles saíram de um movimento mais abrangente, conhecido por Modernismo, afirmado no 3º quartel do século XIX e bem desenvolvido na primeira metade do século XX, numa atitude intelectual de oposição e recusa face aos padrões antigos e que fez escola não só nas artes plásticas, como na literatura, no teatro, na música e na dança,
Comecemos então pelo Impressionismo, tido como a primeira revolução nas artes plásticas desde a Renascença. Nascido em Paris, em 1872, com a apresentação de um quadro a óleo de Claude Monet, cujo título, “Impression, soleil levant”, deu o nome a este importante movimento com expressão significativa no terceiro quartel de século XIX e primeiro do XX.
A recusa à tradição que transparece no Impressionismo faz dele um dos primeiros movimentos (correntes, escolas ou estilos) a incluir no âmbito do Modernismo. De início mais interessados no trabalho realizado ao ar livre, do que nos “ateliers”, os impressionistas pioneiros defendiam que o que era dominante na percepção dos objectos era a luz que reflectiam, demonstrando nos seus trabalhos que a cor mudava em função das horas do dia e do estado do tempo.
Virando costas à estética própria do Academismo e às temáticas ditas nobres, também se distanciaram do Realismo, rejeitando a reprodução fotográfica ou fiel da realidade, figuravam sem contornos precisos, dando primazia aos contrastes de luz e cores. Para eles, o que se lhes deparava à vista, o objecto, a paisagem, a pessoa, era motivo para conceber e realizar obra de arte.
Entre os impressionistas pioneiros destacaram-se os franceses Claude Monet (1840-1926), Edouard Manet (1832-1883), Pierre-August Renoir (1941-1919), Paul Cézanne (1839-1906), Edgar Degas (1834-1917) e Paul Gauguin (1848-1903), Camille Pissarro ( 1830-1903), demasiado conhecidos
Este importante movimento teve reflexos na europa e nas américas, nomeadamente, nos EUA, onde floresceu, e no Brasil, valendo a pena recordar Eliseu Visconti (1866-1944) e a sua magnífica obra "Moça no Trigal" (1916)

Em Portugal aproximaram-se do respectivo estilo, José Malhoa (1857-1933), Henrique Pousão (1859-1884) e Aurélia de Souza (1866-1922.)

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29.5.18

TALES DE MILETO (c. 623-546 a.C.)

Que ao ensinar aos alunos o teorema de Tales, se lhes diga quem foi este filósofo que está nos alicerces da nossa forma de pensar
Por A. M. Galopim de Carvalho
Diz-se que a filosofia ocidental nasceu na Grécia, entre os séculos VII e VI a. C., quando alguns dos seus habitantes mais letrados esboçaram as primeiras tentativas de explicar o mundo que os rodeava sem recorrerem à mitologia, recurso esse que era a prática comum da época. Só meio século, depois, Pitágoras (circa 570-495 a.C.) deu o nome de FILOSOFIA a essa atitude mental.
Nascido em Mileto, cidade da Jónia, na Ásia Menor (atual Turquia), então colónia grega, Thales terá sido o primeiro pensador a romper com o ponto de vista religioso e, como tal, o primeiro filósofo ocidental. As datas dos seus nascimento e morte são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI a.C. 
Todavia, há quem atribua que esta sua colocação em destaque resultou, sobretudo, da acção política que desenvolveu no propósito de unir as cidades-estados (“polys”, em grego), da Ásia Menor, numa confederação, fortalecendo-as face às ameaças de invasões de povos orientais. 

Apontado por Aristóteles (384-322 a.C.) como o primeiro filósofo da humanidade, deve ser lembrado, sobretudo, por ter proposto uma nova visão de mundo cuja base racional, em sua opinião, era passível de ser repensada, reformulada e, até, substituída. Thales fundou, em Mileto, a renomada Escola Jónica e defendeu, como outros da sua escola, o materialismo monista, ou seja, explicação do mundo físico, aceitando que todos os seres, no sentido de objectos ou coisas, são compostos por um único elemento ou substância.
Este filósofo considerava a água como sendo esse elemento ou substância primordial, habitualmente referido por “princípio único” (“arkhe”, na versão grega). Segundo ele o mundo teria evoluído, por processos naturais, a partir desse elemento que caía do céu, que brotava das fontes, corria nos rios e formava os mares, e disse-o mais de dois mil anos antes do grande evolucionista Charles Darwin. Nessa convicção atribui-se-lhe o desabrochar do conceito de evolução.
Ao observar a natureza, incluindo o Universo visível, e os fenómenos naturais, Tales não só procurou o “arkhe”, para ele, como se disse, a água, como também a explicação de tudo o que os sentidos lhe traziam ao conhecimento, eliminando o sobrenatural, dando exclusividade à razão (raciocínio), tornando esse conhecimento acessível aos seus semelhantes. 
Para alguns, a importância de Tales situa-se ainda no campo da matemática e da geometria, ao introduzir na Grécia noções próprias desta disciplina, trazidas do Oriente. Noções que desenvolveu e aperfeiçoou. Formulou dois teoremas importantes, que se ensinam nas nossa escola, sendo que um deles leva seu nome. Como astrónomo, as suas contribuições resultaram das muitas observações que realizou, tendo previsto um eclipse solar.
Entre os seus principais discípulos merecem destaque Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito.

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27.5.18

Sem emenda - O Socialismo português

Por António Barreto
O socialismo português é coisa que não existe. E ainda bem. Se existisse, seria qualquer coisa má, como o soviético, ou risível, como o venezuelano. Existem, isso sim, socialistas. E um partido que faz anos, 45, dirige o actual governo e está em congresso. Já se sabe que só vai discutir o futuro, não o que está para trás. Não se vai falar de Sócrates, muito menos do seu governo, que nunca existiram. Não se vai debater a corrupção, obra da direita ou de gente que não existiu. Vai falar-se de grandes problemas, de questões de estratégia a longo prazo e do futuro, entidades com as quais se reduz qualquer congresso à insignificância litúrgica. As tentativas (e vai haver algumas) de debater problemas reais produzirão efeitos às duas da manhã numa sala vazia. Mais uma vez se verá como a separação entre eleição e debate foi, para a maior parte dos partidos, solução para esvaziar os congressos e entronizar a demagogia.
No século passado, houve quem julgasse que existia um socialismo português. Uns tantos militantes, alguns militares e pouco mais. Foi-se aprendendo que o melhor socialismo era o adjectivo, não o substantivo. Este é um despotismo, aquele é uma inspiração. Curiosamente, com as crises na globalização, no euro e na União, o substantivo voltou a estimular alguns espíritos. Isso também aconteceu no PS, por causa dos aliados de esquerda que tão bem fizeram ao PS e que tão mal se preparam para lhe fazer. Só que já se percebeu que o debate sobre o socialismo em Portugal é conversa para entreter congressistas.
De qualquer modo, é verdade que o PS está num momento excepcional da sua vida. O PS vai refazer a sua identidade e definir o seu papel na sociedade. Na verdade, hoje, o PS existe por um acaso estatístico e um golpe de sorte irrepetível. Não fora o período de austeridade, talvez o PS não fosse hoje mais do que uma colecção de cromos. Aqueles quatro anos criaram um descontentamento de que o PS teve a sorte de beneficiar.
O que será, então, o PS do futuro? Para que servirá? Como resistente ao fascismo, trave mestra do pensamento da esquerda, já fez o que pôde, mas nem sequer foi o principal. Já a resistência ao comunismo fez a sua glória, em Portugal e na Europa, foram os anos de ouro. É a sua principal identidade histórica, mas não haverá, felizmente, segunda oportunidade. Fundador da democracia, com certeza, mas não foi o único. Responsável pela integração europeia, sem qualquer dúvida, mas não esteve sozinho. Foi co-autor do Serviço Nacional de Saúde, teve o talento de ter feito a primeira lei, mas o desenvolvimento foi obra de vários. Na criação de riqueza, a sua autoria é quase nula. Já no endividamento, a sua responsabilidade é maior. Reformas da educação e da segurança social: para o bem e o mal, andou por lá, sem originalidade, foram muitos os autores. Na justiça, o seu envolvimento foi profundo, mas inútil, quem sabe se nefasto. No combate à desigualdade, na descentralização, nas autonomias regionais, nas privatizações, nas revisões da Constituição, no euro, nas auto-estradas e nas parceiras público privadas, o PS esteve em todas, no melhor e no pior, no activismo e na inutilidade, com outros, sem marcas especiais nem currículo digno desse nome.
As promessas que o PS vai deixar no fim deste congresso são conhecidas e pertencem à galeria dos lugares comuns imortais. Igualdade social, de géneros, de etnias e de origens! Segurança! Descentralização! A cultura! O mar! Estamos conversados. Onde o esclarecimento falta é naquela que poderia ser a mais profunda marca do PS nas próximas décadas: a luta contra a corrupção! Contra os negócios de Estado, os favores e o nepotismo. Contra as cunhas e a promiscuidade. Contra a ocupação partidária do Estado. Contra a dependência dos plutocratas e dos sindicatos.
Com o seu currículo recente, é difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas da corrupção e de barrar os caminhos que a ela conduzem. Mais uma razão para fazer desse desígnio o mais importante do seu futuro próximo. Com liberdade e justiça, é aquilo de que Portugal mais precisa.

DN, 27 de Maio de 2018

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Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Expo, Oceanário em construção, Lisboa – Um ou dois anos antes da inauguração da Expo de 1998, este Oceanário, que agora comemora os seus vinte anos, estava em construção. Foi certamente uma das melhores iniciativas da grande Feira. Ficou para sempre. Ensina-se e aprende-se. É bonito ou pelo menos atraente e desperta a curiosidade. Dá para ver coisas nunca vistas, desde peixes horrorosos e tubarões a lontras e raias gigantes. Pode até ver-se especialistas a dar de comer a algumas espécies quase à mão. Nesta imagem, vêem-se trabalhadores em andaimes numa zona que virá a fazer parte das grutas e dos tanques. Eles construíram, mobilaram, decoraram e pintaram tudo aquilo que hoje nos parece natural e genuíno, incluindo algas, flores e corais. Estas artes de encenação são formidáveis. Ao contrário de tantas outras disciplinas em que a encenação é mentira e propaganda!

DN, 27 de Maio de 2018

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26.5.18

O NEORREALISMO DE JÚLIO POMAR (1926-2018)



Por A. M. Galopim de Carvalho
É percorrer o Facebook ver a quantidade de evocações do Cidadão que ontem nos deixou e tomar consciência do seu admirável legado. Considerado o mais destacado dos cultores do neorrealismo nacional, foi autor de uma vasta e diversificada obra, em termos de estilos ou correntes (expressionismo abstrato, surrealismo e outros), revelou-se na pintura, no desenho, na cerâmica na gravura e na escrita. Na modesta homenagem que é meu impulso prestar-lhe, limito-me a lembrar algo de muito breve e simples sobre a sua fase dita neorrelista. Nesta fase, a primeira de muitas outras que explorou no decurso da sua longa vida, Júlio Pomar, referenciado na história como pintor pós-modernista, retomou a atitude, a um tempo, estética e social do Realismo, o movimento artístico iniciado em França, a meados do século XIX, visando , sobretudo, os problemas das classes média e baixa. Diga-se que este movimento, rapidamente alastrado ao campo da literatura (Eça de Queirós. Honoré de Balzac, Charles Dickens, entre outros), surgiu em plena Revolução Industrial, aquando das primeiras lutas sociais contra o capitalismo, então em franco desenvolvimento.

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25.5.18

Saudades do Henrique

Por Joaquim Letria
 Numa destas noites, a TVI convidou-me a ir ao jornal das 20 horas por ser o último que o Henrique Garcia apresentava. Naturalmente que só por este motivo eu iria.
Foi uma espécie de festa em que além de darem uma taça ao Henrique puseram uma série de depoimentos gravados, que não pude ouvir por já estar dentro do estúdio, e depois ao vivo perguntaram ao Henrique por que razão eu estava ali.
O Henrique disse que era por ser o culpado de tudo e se não fosse eu ele ainda estava na rádio. Nos 30 segundos que fizeram o favor de me conceder, só pude dizer que estava ali para prestar a honra que o Henrique merecia e para lhe render a homenagem devida e dizer-lhe que não desistisse, pois a Carmen Maura começou a carreira aos 70 e hoje é a diva do Pedro Almodôvar e do cinema espanhol e o Saramago andava por essa idade quando se meteu seriamente a escrever livros e acabou com um Nobel.
Resultado: se alguém ouviu o que o Henrique e eu dissemos um ao outro, não percebeu nada. Mas ambos havíamos cumprido o ritual da actual TV, que é cada vez mais o de nos mostrar como bonecos num espectáculo de D. Robertos. Por graça, costumo dizer aos meus amigos que me vêem na TV mas nunca sabem o que eu estava a dizer, que hoje é fácil fazer boa figura nas televisões — basta não meter o dedo no nariz e não ter a breguilha aberta.
Deixem-me então explicar porque era eu o culpado daquilo tudo e porque merecia o Henrique que eu tivesse ido a mata-cavalos para a bonita festa de Queluz.
Em 1975, o Sr. Igrejas Caeiro convidou-me a fazer um programa no Primeiro Programa da RDP. Ainda não havia antenas disto e daquilo e o Primeiro Programa era a Rádio de luxo e prestígio da nossa rádio nacional, aberração que resultara da fusão de todas as outras, desde a Emissora Nacional às rádios minhocas e emissores associados de Lisboa. Aquele colosso era então dirigido por aquela figura de referência, nosso querido “companheiro da alegria”. Só a Rádio Renascença, da Igreja católica, escapara à fúria da nacionalização abrilista.
Propus um programa das 11 da manhã à 1 da tarde de domingo, chamado “O Dito e o Feito”, com reportagens, comentários e críticas que viria a ter um êxito retumbante. Indispensável à classe política, mas extremamente popular e independente. Nas minhas negociações pedira três colaboradores para as diversas funções e foram-me atribuídos três jovens de grande talento radiofónico. Um deles chamava-se Henrique Garcia e vinha da Rádio Universidade. Foi assim que o conheci.
Em 1978, já eu fizera e abandonara o semanário “O Jornal”, passara meses no Iraque e trabalhara na agência ANOP, o meu amigo Fernando Lopes, o cineasta, convida-me a regressar à RTP para fazermos o novo segundo canal da RTP. O Director de Informação era o Hernâni Santos, velho companheiro da BBC em Londres que eu substituiria mais tarde.
 “Oh pá, quem para apresentar os jornais?” E eu, a fazer o Tal & Qual e um programa de actualidade chamado “A Par e Passo”, nem hesitei: António Mega Ferreira com toda a sua elegância, cultura e “savoir faire”, que comigo fizera parte dos Projectos Especiais da ANOP,  juntamente com  Helena Vaz da Silva e  Antónia Palla; José Júdice vindo da BBC, um sarcástico com muita graça na apresentação de notícias; Dina Aguiar que também conhecera na rádio e o Henrique Garcia. Estes dois últimos foram problemáticos por razões que eu julgara estarem democraticamente resolvidas: constava que ambos tinham sido da UEC (União dos Estudantes Comunistas)…
A sua admissão foi difícil e acabou por ter o empenho do Hernâni Santos, do Fernando Lopes e de mim próprio até conquistarmos a condescendência do presidente da RTP, João Soares Louro. O Henrique só eu conhecia e lembro-me de ter dito que o Henrique era melhor do que o Carlos Cruz. A Dina Aguiar ainda está aí a dar cartas, e bem, não me deixa mentir.
Não era exagero, a qualidade que atribuí ao Henrique, com todo o respeito pelo talento e profissionalismo do Carlos Cruz. Mas já na Rádio cedo eu vira no Henrique Garcia a presença, segurança e confiança que só os “âncoras” têm, pelo que eu aprendera com os mestres ingleses e americanos. E âncoras são raros. Há senhores muito apessoados e bem vestidos a lerem muito bem notícias. Mas nada disso é  um âncora e por isso o Henrique é único. Recordo-me só de dois âncoras na TV portuguesa. Antes do 25 de Abril, o Senhor Pedro Moutinho, nos dias de hoje, o Henrique Garcia.
Por isso, pôr o Henrique a ler notícias à meia noite nos fins de semana dum canal subalterno, anos a fio, só por má fé ou ignorância. Tal como escrever-lhe uma carta com duas linhas e meia a dizer ”Por ter atingido os 70 anos de idade, o seu contrato cessa no dia 30” só por má fé ou ignorância para lá duma grande falta de educação. Por isso, fui a Queluz recordar com ele  todas as nossas guerras, incluindo a aventura da Radiogest.
Um âncora lê notícias, fala do país, de pessoas e do mundo. O público acredita e tem confiança naquela pessoa. Espero voltar a ver isso com o Henrique num canal qualquer que queira fazer mais do que mostrar gente com a breguilha fechada e sem meter o dedo no nariz. E depressa, antes  que os Iphones e os computadores arrumem a questão de vez.
Henrique, tenho saudades tuas.

Publicado no Minho Digital

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