19.1.18

AGORA MEXAM – SE!

Por Joaquim Letria
Um leitor que reagiu aos textos que o Minho Digital aqui tem publicado sobre o assassínio autorizado do Edifício Coutinho dirigiu-se-me para dizer que nunca lhe tinham explicado o problema tão claramente como agora foi feito, levando-o a ser contra a demolição do prédio.
Ainda que estranhando o argumento, vou aceitar que assim possa ter sucedido, sem embargo de considerar clara a explicação produzida no passado pelas duas partes, ainda que ambas tenham sido pouco convincentes.
Mas sempre deu para sabermos se sim, ou se não. Podíamos era deixar-nos subjugar pela clubite, partidarite e desinteresse e ficarmos mais vulneráveis à desinformação, que ainda hoje campeia. Mas não vejo nenhum iluminado chegar agora a separar as águas para cabal esclarecimento dos demais.
Dito isto, gostaria ainda de acrescentar que compreendo que muitos terão ficado tolhidos, no seu pensamento e acção, subjugados pela torrente de propaganda como aquela que nos fez deixarmos construir três estádios de futebol a menos de 60 quilómetros uns dos outros e à razão de 50 milhões de euros cada um (Aveiro, Coimbra e Leiria).Mas agora mexam-se!
Todavia, muitos não podem invocar essa desatenção. Por exemplo as Organizações Não Governamentais (ONGS), são pagas pelo Estado ou por privados, ou por ambos, para estarem atentas à defesa dos Direitos Humanos e do bem da Natureza e Ambiente. Já não digo que colaborassem no desalojar de 300 pessoas dum prédio a abater por interesses inconfessos. Mas as ONGs não recebem para fecharem os olhos E foi isso mesmo que fizeram, acabando por defenderem os interesses ocultos e ainda hoje por explicar.
Também não me refiro unicamente àqueles que ainda hoje deveriam estar preocupados com os falcões peregrinos que habitam e nidificam no Coutinho, às escondidas das autoridades de Bruxelas para não complicarem a vida dos construtores civis. Falo nos outros, que deveriam acautelar a vida humana, perante a ilegalidade dos excessos dos políticos com a cobertura dos (nem todos) tribunais.    
Bruxelas, de resto, conhece bem o Coutinho. Passou-lhe pelos olhos quando a Câmara de Viana do Castelo e os seus sócios do governo de Lisboa àquela época foram lá pedinchar dinheiro para deitarem o prédio abaixo.
Vieram de lá às arrecuas e a toque de caixa quando as autoridades europeias os mandaram ter juízo e que, já agora, fossem todos capar morangos. Foi então que o cavalheiro, que a Ordem diz não poder usar o título de engenheiro, bateu os pezinhos de raiva e partiu o telemóvel contra a parede jurando raios e coriscos contra o  Coutinho que ele queria dinamitar. Engraçado eu ter-lhe chamado, numa das crónicas anteriores, “engenheiro da Cova da Beira” e ter vindo a Ordem  dizer que o homem não é nem nunca foi engenheiro e sair-me um albicastrense ao caminho para jurar que o homem é duma cepa torta de Trás–os–Montes e  nunca ter sido da Cova da Beira, ainda que lá tenha vivido.
Dos 300 moradores que o Coutinho chegou a ter, moram lá hoje um total de 30, aboletados pelos oito titulares que ainda ali resistem. Os outros ou venderam por dez reis de mel coado os andares que orgulhosamente tinham comprado, ou foram deslocados para guetos onde lhes ofereciam alojamento.
A insensibilidade de certos políticos é inqualificável. Em nome da estética estraga-se a vida de centenas de pessoas que se obriga a deslocarem-se, negando-lhes o sonho e os sacrifícios duma vida. Mas não se pondera o transtorno de uma mudança, em cima do desabar do sonho de toda uma existência.
Por circunstâncias diferentes, tive de mudar-me diversas vezes na minha vida. De cidade, de País e de família. Felizmente nunca foi para pior. Mas conheço bem o pesadelo duma mudança de casa, tão bem retratado no poema do meu querido amigo António Reis, que escolho para fechar este artigo e com ele me lavar dos salpicos do esterco onde certos cavalheiros chafurdam:
“Mudamos esta noite
e como tu
eu penso no fogão a lenha
e nos colchões
onde levar as plantas
e como disfarçar os móveis velhos
mudamos esta noite
e não sabíamos que os mortos ainda aqui viviam
e que os filhos dormem sempre
nos quartos onde nascem
vai descendo tu
eu só quero  ouvir os meus passos nas salas vazias”

É a estética que preocupa os cavalheiros!? Dar-lhes este poema é atirar pérolas a porcos ...
Publicado no Minho Digital

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