15.10.17

Sem emenda - O regime já perdeu

Por António Barreto
É uma história sem fim feliz. Qualquer que seja o desenlace, ficaremos a perder. Portugal e o seu povo ficarão sempre a perder. Evidentemente, se Justiça for feita, poderemos sempre dizer que ressuscitámos, que a Justiça é a nossa Fénix. Se os culpados forem expostos e condenados e se as vítimas e os contribuintes forem pelo menos moralmente ressarcidos (nunca o serão financeiramente…), será possível dizer que, bem lá no fim, a Justiça prevaleceu. Se assim for, poderá também afirmar-se que será possível, depois do desastre, aprender com os erros. É uma consolação.
Mas ficaremos a saber que duas ou três (ou mais…) operações politicas e financeiras de assalto ao Estado, a algumas das melhores empresas portuguesas, aos recursos de milhões de depositantes, credores, accionistas e investidores se desenvolveram durante anos. O que aconteceu com a cumplicidade de um ou dois partidos políticos, com a participação activa de alguns dos “melhores” banqueiros portugueses, com a intervenção maliciosa de um governo, com a colaboração dolosa de vários gestores privados e públicos. Tudo isto perante a incapacidade ou falta de poderes das entidades fiscalizadoras, diante do silêncio das instituições e a coberto de uma comunicação social geralmente mal preparada e dependente. Vários bancos foram liquidados. Diversas empresas destruídas. Um grupo de insaciáveis sem escrúpulos tomou conta!
As instituições não tiveram poderes para intervir com firmeza e honestidade. As instituições, por responsabilidades objectivas ou subjectivas, não agiram quando deviam, não perceberam o que estava a acontecer. Umas não puderam, outras não quiseram.
Falhou a opinião pública, falhou a imprensa e falharam as instituições. Os governantes não falharam, porque eram cúmplices ou protagonistas. Mas o Parlamento falhou, porque não cumpriu os seus deveres. Nem quis saber. Os partidos não falharam, porque aproveitaram. Ou falharam, porque não perceberam.
Primeira hipótese: encontramo-nos diante de uma colossal operação de destruição de pessoas, partidos, governantes, empresas e bancos, a comando de concorrentes ocultos e de abomináveis forças de conspiração. Nessa versão, falham o regime, a democracia e a Justiça. Segunda hipótese: uma monumental operação de expropriação e assalto ao Estado, por parte de políticos, gestores e banqueiros, destruiu empresas e grupos, fez literalmente desaparecer dez a vinte milhares de milhões de euros. Nesta versão, falham o regime, a democracia, o sistema político, o Parlamento, as instituições e o capitalismo português.
Convêm não esquecer que não se sabe onde pairam cinco a dez mil milhões “desaparecidos”, mas que se encontram depositados a recato em contas de famílias, seus mandatários, cães e gatos. A que terão de se acrescentar cinco a oito milhares de milhões de outras histórias mal acabadas, como a do BPN. Convém ainda não esquecer que as actuações de políticos, banqueiros, bancários, gestores e empresários relativamente às PPP, aos SWAPS e aos golpes em quase todos os bancos portugueses estão fora da alçada deste processo Sócrates barra Salgado barra Espírito Santo barra PT.
Perdeu o regime e perdeu Portugal. Que ninguém pense que, com excepção do ladrão, alguém vai ganhar e que o fim será feliz. Não. Ou perde a economia, o mercado e a banca. Ou perde o mais importante partido político da democracia, o seu líder durante seis anos e o seu único Primeiro-ministro com maioria absoluta. Ou perde a democracia e o seu sistema político que conviveu com parasitas da política ou das finanças, deixou pulhas roubar o Estado e permitiu que velhacos roubassem depositantes, credores e accionistas de boa fé. Ou perde a democracia e o seu sistema de Justiça que não consegue organizar um serviço capaz de investigar eficazmente, arguir dentro de prazos decentes, julgar em tempo e dar sentenças a horas. Ou perde o regime cuja classe dirigente é incapaz de governar com honestidade e em democracia.
Ou perdemos tudo, que é o mais provável.
DN, 15 de Outubro de 2017

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6 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Infelizmente, as reacções a estas situações são, em geral, "temperadas" pela partidarite:
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«Se o filho da p*** for do meu partido já está tudo bem».

15 de outubro de 2017 às 14:54  
Blogger José Batista said...

Estamos à mercê de uma bela "tropa", estamos!
Dos que ocuparam/ocupam o poder e detêm os meios económicos, financeiros, comunicacionais, jurídicos e políticos, em quem confiar?

15 de outubro de 2017 às 16:48  
Blogger Ilha da lua said...

Comento,este artigo,com o país a arder...Quatro meses depois da tragédia de Pedrogão! Perdeu o regime,perdeu o país,perdemos todos!Será,que vamos ter finalmente uma explicação verdadeira e honesta para esta calamidade?Ou com a nossa pesada burocracia,teremos que aguardar mais meses,para ficarmos na mesma?

16 de outubro de 2017 às 18:54  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Ilha da Lua
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Tenho fortes razões para pensar que há quem não queira a verdade — ou, pelo menos, a verdade toda, nua e crua.
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A velha frase "A verdade, doa a quem doer!" é muito bonita, mas raramente é dita com sinceridade.

16 de outubro de 2017 às 20:03  
Blogger Ilha da lua said...

Pois...Assim parece ser.Infelizmente a "partidarite" e o "compadrio" sobrepõem-se aos interesses nacionais

17 de outubro de 2017 às 11:38  
Blogger Bmonteiro said...

«Mas o Parlamento falhou, porque não cumpriu os seus deveres»
Mas sem falhas, quando toca a baixa política: o sabichão CDS que desfaz o MDN por causa de Tancos, 'ignorante' das consequências da brilhante reforma Defesa 2020 do seu govern-Passos/Portas; o sabichão PSD armado em Vingador pela sua tribo parlamentar, 'ignorando' a cultura de danças partidárias a cada quatro anos, recentemente PS, em 2011 PSD.
PS: um amigo aponta-me um edificio na R Artilharia um, Ordem de Solicitadores & Cia. Presenças frequentes de João Soares: um carecido de segundo salário na privada?
A bem do Regime.

17 de outubro de 2017 às 16:13  

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