28.2.14

TeleDesentupimentos
Por telefone ou por e-mail?!

Contributos para o debate sobre a calçada portuguesa (14)

O blogue CidadaniaLx lista os locais de Lisboa onde a calçada portuguesa será mantida. São eles:
Rua da Prata, Rua do Ouro, Rua Augusta, Largo do Chiado, Rua Garrett, Rua dos Fanqueiros, Rua do Alecrim, Praça do Duque da Terceira, Praça Marquês de Pombal, Rua de São Jorge, Praça do Império, Largo Frei Heitor Pinto, Jardim das Amoreiras, Rua do Comércio, Largo da Boa-Hora, Rua Nova do Almada, Rua Primeiro de Dezembro, Rua das Portas de Santo Antão, Rua de São José, Avenida Conde de Valbom, Entrada do Castelo, Praça do Rossio, Praça dos Restauradores, Avenida da Liberdade, Jardim de São Pedro de Alcântara, Avenida Almirante Reis, Avenida Fontes Pereira de Melo, Avenida da República e Alameda dos Oceanos. 
Pois bem; seguidamente, pode ver-se como, em alguns deles, a referida calçada é estimada: 
Rua da Prata, Rua do Ouro, Rua dos Fanqueiros, Av. Almirante Reis, Av. da Liberdade, Av. da República - e ficamos por aqui, para não atafulhar este espaço...
NOTA: Repare-se na 1ª foto: funcionários da autarquia reparam a calçada (na Rua da Prata), enquanto uma camioneta da mesma CML a destrói... além de impedir a passagem dos peões!

Jornalistas sóbrios e manchetes alcoólicas

Por Ferreira Fernandes 
No DN colaborou em tempos Fernando Pessoa, um bêbedo. Um tipo que era apanhado, não poucas vezes, em flagrante de litro. Para desculpa do DN, naqueles tempos ainda não havia o arsenal de leis purificadoras que permite, hoje, o Correio da Manhã (salve, ó bíblia dos costumes morigeradores!) tirar os seus jornalistas da perdição. Um jornalista tipo CM vai para uma reportagem e salta-lhe ao caminho o advogado da empresa: "Fulano, vamos lá ao nosso exame de deontologia!" O advogado aponta a linha reta feita a giz que o jornalista, de braços abertos, tem de percorrer sem bambolear. Exame conseguido, o jornalista já pode ir fazer, por exemplo, a manchete de ontem do CM: "Pai de Sicrano em fuga por tráfico de droga". Não importa que o Sicrano, de 19 anos, não tenha culpa dos tráficos do pai. Leva com o seu nome, o traje de trabalho (Sicrano é jogador de futebol) e a foto na primeira página. Algumas almas piedosas podem não achar isto bonito, mas o importante, não é?, é que aquela manchete não foi feita por um bêbedo. Um jornal com manchetes alcoólicas, fontes anónimas e jornalistas sóbrios. E, suspeito, talvez outros jornais lhe sigam o exemplo. Infelizmente, eu, que sempre bebi pouco, tenho de declarar que nunca soprarei o balão numa redação. Cruzei-me com alguns camaradas talentosíssimos e bêbedos, e, esgotadas todas as tentativas de lhes chegar às canelas, quero guardar a última esperança de o conseguir com uns copos. 
«DN» de 28 Fev 14

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27.2.14

Contributos para o debate sobre a calçada portuguesa (13)

Em Lisboa, quando as árvores morrem (ou as matam...), o que fica é um buraco - a menos que ele seja revestido com boa calçada portuguesa, como aqui se mostra. 
As fotos são da Av. Fontes Pereira de Melo (três) e da Rua Edison (a de baixo).

O espaço vital alemão é-nos mortal

Por Ferreira Fernandes 
Que importa que alguém tenha dito uma frase famosa sobre as repetições da história (primeiro, tragédia... depois, farsa... blá-blá-blá...)? O que conta é que a história repete os erros. Dava jeito aprender isso, o facto, e não memorizar a frase. Dava jeito, por exemplo, para saber o que se passa na Ucrânia. Já vimos o filme e não foi há muito tempo. A Jugoslávia teve o azar de se atravessar num conflito de interesses entre a Alemanha e a Rússia. Esta estava, então, ferida e a outra aproveitou para debicar. A Jugoslávia perdeu logo a Eslovénia e a Croácia, sobre as quais a Alemanha se sentia com antigas pretensões. A Europa seguiu a patroa (então, ainda incipiente) alemã e, numa guerra sem inocentes, demonizou só um lado: a Sérvia, a aliada russa, foi apresentada como a culpada única. Não foram só bombas que lhe lançaram, mas o anátema. Os intelectuais europeus que se insurgiram contra esta forma esguelha de olhar foram apontados como cúmplices: o francês Patrick Besson e o austríaco Peter Handke, escritores, e o cineasta bósnio Emir Kusturica passaram quase por criminosos de guerra. Agora, a mesma patroa alemã, já com poderes reforçados, vai pelo mesmo caminho na Ucrânia. Esta já se divide (a Crimeia parte) como há 20 anos a Jugoslávia e a explicação volta a ser sem nuances: os maus são os pró-russos. E aquela frase inicial é ingénua. Isto não vai acabar em farsa, mas numa tragédia maior: a Europa está a perder a Rússia. 
«DN» de 27 Fev 14

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A memória e o arrependimento (crónica)

Por C. Barroco Esperança
A memória não é apenas a capacidade de fixar, identificar e localizar os sentimentos e factos vividos, para os reproduzirmos ou guardar. Atrevo-me a dizer que é também a faculdade de esquecer o que desagrada ou faz sofrer, o que nos envergonha ou angustia.
Foram tantas as vezes que me senti constrangido pela imprudência e pelo que se chama popularmente «meter o pé na argola», que me surpreende que tão poucas recorde. Hoje, em amena cavaqueira, veio-me à memória um silêncio perturbador que provoquei, há muitos anos. (...)
Texto integral [aqui]

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26.2.14

Apontamentos de Lisboa

Outro aspecto do Parque Mayer: um curioso mural de Nuno Saraiva e um letreiro que já viu melhores dias...

Mário Coluna, o primeiro homem

Por Ferreira Fernandes 
O último livro, e inacabado, de Albert Camus chama-se O Primeiro Homem. É um romance autobiográfico. Um casal de colonos europeus, pobres, muito pobres, por um caminho agreste da Argélia. A mulher está grávida e o pastor árabe que os acompanha diz: "Tu vais ter um filho. Que ele seja belo." Camus, que não era crente, descreve o seu próprio nascimento como uma cena natalícia, em homenagem à mãe que era iletrada e religiosa. Nós somos sempre o primeiro homem, a esperança da redenção.
Na década em que Camus morreu (com o manuscrito inacabado de O Primeiro Homem espalhado na mala do carro enfaixado numa árvore, 4 de janeiro de 1960), dois homens que representavam as duas superpotências rivais, o soviético Yuri Gagarine ("a Terra é azul", 1961) e o americano Neil Armstrong ("um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade", 1968) contaram o mesmo sonho. O primeiro homem, a visão, o salto. 
Nem sempre essas coisas se passam grandiosas como as acima descritas, nem sempre recebem o Nobel da Literatura ou ficam marcadas como marcos históricos. E, no entanto, movem-nos. Eu tive a sorte de amar desesperadamente a minha terra e por isso estar atento aos sinais anunciadores. Naquele década, houve muitos domingos e quartas-feiras europeias em que vi jogadores de um jogo simples e quem mandava neles era naturalmente o chefe. Ele não era branco, como eram sempre, até então, os que mandavam. Mário Coluna, primeiro homem. 
«DN» de 26 Fev 14

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Apontamentos de Lisboa

De saudar a reabilitação (em curso) do Capitólio, no Parque Mayer

O concílio do Coliseu

Por Baptista-Bastos
Levanta-te, e caminha"- disse o Rabi a Lázaro; e este levantou-se, impulsionado pela força divina. Milagre! Milagre!, exclamaram os que ao facto assistiram." A parábola da Ressurreição, ou do Ressurrecto sobreveio-me à memória, quando assisti a um morto, não só político, mas sobretudo moral, emergir do mundo das trevas. Foi no congresso do PSD, quando Pedro Passos Coelho fez ressurgir Miguel Relvas das tumbas da calamidade para ocupar um lugar importante da direcção do partido. Entre a perplexidade e a repulsa, os sentimentos dos circunstantes dividiam-se. Mas a notícia não deixou de ser escabrosa. O título académico de "doutor", "dr." Miguel Relvas, voltou a circular entre as afirmações dos dirigentes mais importantes do PSD, como se a ressuscitação da criatura reabilitasse a própria mentira.
Passos Coelho é um homem em constante sobressalto, tomado de pequenas angústias quotidianas. A necessidade de se impor provém das pessoais inseguranças. E a reabilitação de Relvas, assim como a expulsão de António Capucho, possui, somente, um significado: quero, posso e mando. Não é novidade. O que ele tem feito ao País é a injunção de ideias confusas, desordenadas, que pertencem a outros e que ele mistura no almofariz de uma certa perversidade.
Disse, no congresso, de que estamos melhor do que há dois anos. Mentira. E mentira desaforada. Também disse que o PSD nunca se afastou da "matriz" social-democrata. Mentira e ignorância. Nem nos seus melhores tempos o PSD foi, alguma vez, social-democrata. Aliás, a mentira e a ignorância tornaram-se razões no discurso dele e dos seus.
Passos Coelho pertence à geração da insignificância que povoou a Europa de fatuidades, por ausência de cultura política e geral, e por cansaço e desistência de quem tinha a obrigação de defender e de desenvolver os testamentos legados. Não é só ele. Marcelo Rebelo de Sousa é outro, acaso mais responsável porque lê, pelo menos é o que se diz.
Ele foi o bobo da festa, no conclave do Coliseu. Tem a tineta de açambarcar os holofotes, e quando viu que a ocasião era propícia, saltou para o tablado e fez rebolar de riso os circunstantes. Passos concedeu-lhe a esmola de um escasso sorriso, enquanto a barriga do ministro Miguel Macedo saltava de gozo e satisfação, por igual insanos.
O congresso do PSD para nada serviu, a não ser o de congregar, para as televisões e para o retrato de grupo, alguns "notáveis" desavindos, e demonstrar a falta de carácter de outros, fingidamente esquecidos das afrontas de que têm sido alvo, por Passos Coelho. Ele é que quer, pode e manda. Tem-no comprovado com minuciosa implacabilidade e extrema frieza. Já o disse e escrevi: este homem é muito perigoso.
«DN» de 25 Fev 14

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25.2.14

Apontamentos de Lisboa

De vez em quando, diz-se que na Av. da Liberdade devia haver mais comércio internacional. Deve ter sido a pensar nisso que...
Alguém viu e quer comentar?

Apontamentos de Lisboa

Poiso habitual de vários sem-abrigo - é nos Restauradores, à porta da extinta... Loja do Cidadão.

Tão importante como o roubo do BPN (*)

Por Ferreira Fernandes 
Contou ontem o JN, um homem foi detido, julgado e metido numa prisão para cumprir pena. Não me interessa, para já, o homem. Olhem para o outro lado: à conta de quê o Estado detém uma pessoa, julga-a e põe-na numa cela? Conhecemos a resposta: para não andarmos na rua sujeitos à cachaporra de um vizinho mais forte, abdicamos do uso privado da violência e oferecemos ao Estado o monopólio dessa violência. Mas chega de falar do que já sabemos. 
Passemos ao caso do JN. Em setembro passado, um homem de 40 anos foi detido, isto é, a polícia agarrou-o pelos colarinhos, sob o pretexto de que ele tinha roubado. Foi levado ao tribunal, onde um juiz se arrogou o direito de o considerar culpado. E foi mandado para a cadeia da Carregueira onde guardas o meteram numa cela. Tudo conforme o acordo social que todos aceitamos. Dentro da lei, o Estado tem o direito de exercer aquelas violências físicas. Violências físicas? Sim, sim, o Estado tirou liberdades ao homem (a de andar de cá para lá), e tinha direito de o fazer. Mas, diz o jornal, metido na cela, o homem foi violado durante três dias por três outros presos. Estes, ao que parece, já foram castigados. Não chega. Que indignação nacional se levantou por um todo poderoso Estado, desmerecedor da força que lhe demos, ter permitido a humilhação de um cidadão indefeso e trancado? Que falta de compaixão e honra impede que este caso seja discutido no lugar certo, que é o Parlamento? 
«DN» de 25 Fev 14
(*) NOTA (CMR): a imagem, que julgo corresponder ao texto, é do «CM online» de hoje

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24.2.14

Apontamentos de Lisboa

Não é bonito fazer humor com os nomes das pessoas (aqui, um trocadilho com Passos Coelho, claro), mas, neste caso, até se desculpa, pois tem graça...

Relvas está de volta

Por Carlos Fiolhais
A imposição, por parte de Pedro Passos Coelho, de Miguel Relvas para Presidente do Conselho Nacional do PSD não pode deixar de ser considerada uma "bofetada de luva branca" no seu ministro Nuno Crato, que tinha afastado Relvas da governação por lhe faltarem as habilitações académicas que ele reclamava ter.

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Marcelo arromba Belém de Chaimite

Por Ferreira Fernandes 
No sábado, Marcelo Rebelo de Sousa, o malhador, entrou no Coliseu. O malhado, Passos Coelho, começou por o ouvir com cara de "deixe-me o seu contacto que logo lhe telefono". Marcelo abriu assim: "Porque é que eu estou aqui?" Por causa do espetáculo da Ana Moura não seria, só se produz para o mês que vem. Não, o espetáculo iria ser uma rábula de Marcelo, o distraído. As prometidas negas a lá ir, afinal, eram só por não se ter dado conta da data redonda do partido: "Caramba, 40 anos! Comecei a ficar comovido." Quando fica comovido, sabe-se, Marcelo desdiz-se. Não comovido, também, mas não me estraguem o raciocínio. Então, ele marchou para o Coliseu, tão discreto como há 40 anos quando arrombou de Chaimite, contou, a porta da primeira sede do PPD. Tinha, então, 20 anos e picos. Hoje, ele diz-se "velho" (leia-se: tem mais de 35 anos, com todas as implicações constitucionais para o que pode ser eleito). Fora ali, apesar dos avisos de amigos: "Vão pensar que estás a fazer-te ao piso para qualquer coisa..." Pausa. Marcelo é delicioso a fazer pausas, as pausas dele querem dizer que ele disse mesmo aquilo que quis dizer. "Vim aqui por uma razão afetiva." Em clubes, o afeto dele vai para o Braga; em sonhos, para o Belenenses. Meia hora de discurso e, no último minuto, uma hesitação: "Eu ia dizer "eleição do Presidente da República", mas isso prestava-se a más interpretações..." Com Marcelo, as más interpretações são sempre as boas.
«DN» de 24 Fev 14

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Apontamentos de Lisboa

«Quando vier a guerra, mete-te aqui - nunca ninguém cá acertou, sequer, com um papel!» 
(Cartaz existente, em tempos, junto a um cesto de papéis na Faculdade de Direito de Lisboa)

23.2.14

Absolutismos

Por Rui Tavares
Um dos debates mais estéreis na política é aquele que opõe adeptos de um tipo de democracia contra outros tipos de democracias como se um tipo de democracia devesse substituir todos os outros. Alguns adeptos da democracia direta querem acabar de vez com a democracia representativa; há adeptos da democracia constitucional que não gostam nem de ouvir falar em democracia direta, etc. Este debate é estéril porque: a democracia serve para estruturar o pluralismo. E não há, nem pode haver, uma única forma de estruturar o pluralismo. Só pode haver uma pluralidade de métodos, todos eles imperfeitos, todos eles aproximativos, a utilizar ou a evitar caso a caso, conforme a sua adequação à falta de melhor ou a sua inadequação completa. Um método pode ser superior a outro num determinado caso, mas nunca será superior em todos os casos.
Acontece que esta semana temos dois exemplos que deveriam dar que pensar a quem é adepto de um método contra todos os outros.
Na Suíça tivemos um referendo que, por curta margem, decidiu limitar os direitos de entrada dos estrangeiros naquele país. As consequências, contudo, serão mais vastas, uma vez que grande parte dos estrangeiros vêm da União Europeia e esta decisão resultará na quase certa violação dos tratados de livre circulação que a Suíça tem com a UE. Tal como tenho afirmado aqui repetidamente em relação àqueles que propõem uma saída do euro para Portugal, no caso da UE os tratados estão normalmente interligados, até para um país extra-comunitário como a Suíça que os negociou em pacote ao invés de entrar na União. Não é possível para a Suíça pôr em causa a parte que lhe interessa (livre-circulação) sem pôr em causa também as partes que não gostaria de enjeitar (acesso ao mercado único).
Mesmo supondo informação total e sabedoria instantânea sobre tudo isto por parte dos votantes no referendo, há evidentemente uma coisa aqui que é perturbante (e de que se tem falado muito em Portugal): quando uma maioria referenda os direitos de uma minoria, o mais provável é que a maioria decida com os seus instintos e interesses, e não com justiça e sabedoria.
Mas isto, que poderia parecer uma crítica à democracia direta, deve ser comparado com o que se passou do outro lado dos Alpes, no Tribunal Constitucional Alemão. Aí não tivemos a multidão decidindo, mas um conjunto de sábios juízes com décadas ou até séculos de formação jurídica entre eles e acesso à melhor informação possível sobre o tema em análise, a saber: se o chamado “efeito Draghi” que tem aguentado o euro com alguma estabilidade era constitucional ou não. E a decisão foi quase igualmente má: apesar de se terem abstido de dar a última palavra, os juízes alemães praticamente sentenciaram que o pára-quedas que tem sustentado o euro não pode ser aberto com o apoio da Alemanha. Enquanto durar a incerteza, basta falir um banco ou cair um governo para voltarmos aos tempos do pânico nos mercados.
Em ambos os casos os portugueses saíram a perder: seja os que emigraram para a Suíça, seja os que se vão aguentando em Portugal.
O problema, contudo, não está nos cidadãos suíços nem nos juízes alemães. O problema é que vivemos num tempo de absolutismos. E os absolutismos nunca fizeram bem à democracia.
«Público» de 12 Fev 14

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Apontamentos de Lisboa

Sempre que chove (mesmo pouco), a maioria dos outdoors fica com este aspecto - ou pior ainda. Quem os paga parece não se importar; tem mesmo de ser assim?

Luz - El Liceu, Barcelona

Fotografias de António Barreto- APPh

Clicar na imagem para a ampliar 
El Liceu é o teatro de Ópera de Barcelona, que já aqui vimos outra vez. Este é o momento antes do início do espectáculo. No dia da minha visita, cantavam a “Força do Destino”, com fabulosa encenação. Pena é não se poder, como se sabe e como deve ser, fotografar durante o espectáculo. (2012)

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Estórias e História

Por Ferreira Fernandes 
Estória é brasileirismo pouco comum entre nós e, como jornalista, lamento-o. Tudo que leve os portugueses a descer à rua é bom. Aos jornalistas, é imprescindível. A nós foge-nos o pé para os sapatos Church"s (às minhas colegas é Louboutin). Surge a Casa Pia, e parecemos peritos judiciais. Vem a crise, e somos tu cá tu lá com Paul Krugman. Agora, a Ucrânia fez-nos geopolíticos. Nada de admirar quando a simplicidade de meter golos numa rede de boca aberta, futebol, coisa de se tratar com os pés, por cá é-nos narrada por geómetras citando projeções ortogonais. Estória, palavrinha que vale para respeitarmos a História, deveria entrar mais nas nossas páginas. Se não a palavra, pelo menos o espírito jornalístico da coisa. O próprio dos jornais é falar de pessoas e de factos - e, se formos cultos, relacionar esse terra-a-terra com o grande movimento do mundo. Há dias, no The Times, de Londres, a crónica de Gaby Hinsliff falava duma tia-avó. A velha senhora viveu e morreu com um anel de noivado e fez-se sempre passar por uma daquelas viúvas antes de o ser, que perderam o noivo nas trincheiras da Grande Guerra. Hinsliff, a partir da tia-avó, contou-nos um fenómeno histórico na Grã-Bretanha: foram tantos os machos mortos, que os vivos, ao regressar, puderam romper com as noivas que os esperavam e dar um salto social, para noivas mais cotadas... Pouca coisa? Tomara os históricos congressos das Portas de Santo Antão darem-se mais. 
«DN» de 23 Fev 14

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Leiteíte

Por A. M. Galopim de Carvalho
LEITEÍTE é um arseniato de zinco, de fórmula ZnAs2O4, encontrado pelo português Luís António Bravo Teixeira Leite (1942-1999) na mina de Tsumcorp, na região de Tsumeb, na Namíbia. Mineral de intenso brilho nacarado, geralmente incolor a branco pérola, podendo exibir cor acastanhada muito pálida, é séctil, muito brando (dureza 1,5 a 2), laminável (clivável) e flexível. Espécie muitíssimo rara, ocorre associada a outros minerais de arsénio e de zinco, em jazidas hidrotermais de baixa temperatura, em zonas susceptíveis de sofrerem oxidação. (...)
Texto integral [aqui]

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22.2.14

«Dito & Feito»

Por José António Lima
Passos Coelho congratulou-se publicamente, esta semana, por o défice português em 2013 ter sido “inferior ao da Espanha e da Irlanda”.
E acrescentou, com mal contida satisfação: “E o défice estrutural, excluídos os movimentos cíclicos da economia, terá sido pouco superior a 3%”. Sabendo-se que o défice real de 2013 terá ficado em 5,2% (cálculo da ministra Maria Luís Albuquerque), Passos Coelho terá descontado a esse valor cerca de 2% (de subsídios de desemprego pagos a mais por se viver em recessão, além de contribuições sociais e receitas fiscais a menos pela mesma razão) para chegar ao seu 'défice estrutural' à roda de 3%.
O que Passos Coelho se esqueceu de dizer, em contrapartida, é que esse défice só foi atingido graças a sucessivos e cumulativos cortes em salários e pensões do funcionalismo público, ao congelamento de progressões nas carreiras em vigor desde 2010, ao aumento de impostos como a sobretaxa de 3,5% sobre o IRS ou à tão falada CES dos pensionistas, entre outras medidas.
Medidas que, no seu conjunto, representam cerca de 5 mil milhões de euros, o equivalente a 3% do PIB. E que, segundo o próprio primeiro-ministro, não são medidas definitivas e estruturais de consolidação orçamental mas apenas provisórias. “Muitos dos cortes realizados pelo Governo são transitórios. Na medida em que dependerão da forma como a nossa economia vier a recuperar”, garantiu há duas semanas Passos Coelho. Ou seja, excluída a recessão e os movimentos cíclicos da economia, com a devolução destes cortes aos bolsos dos portugueses, o verdadeiro 'défice estrutural' saltará automaticamente para um patamar acima dos 6%...
É este o resultado de o Governo não ter feito uma redução estrutural e real da despesa do Estado, de tudo serem medidas transitórias, provisórias e temporárias - ou o que se lhes quiser chamar para passarem no estreito crivo do TC e sossegarem o arisco e refractário eleitorado do centro.
E, no que toca à receita do Estado, Paulo Portas já veio prometer “dar início a uma moderação do IRS em 2015”, ano de eleições legislativas. Por este caminho, o tal 'défice estrutural' volta aos 6% ou 7% já daqui a dois anos. Transitoriamente, claro. 
«SOL» de 14 Fev 14

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Contributos para o debate sobre a calçada portuguesa (12)

Na discussão em curso acerca da calçada portuguesa, tem-se referido, com particular insistência, o perigo dos buracos a que ela dá origem, quando as pedras se soltam.
Mas talvez isso seja um falso problema pois, há um par de dias, mostrou-se aqui uma calçada (em Lagos) em relação à qual, em virtude de ter sido feita correctamente, esse problema não se coloca.
Simetricamente, aqui se deixam 2 fotos, acabadas de tirar, do piso existente em torno da Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa: estes buracos, que existem e se multiplicam de há anos a esta parte (chegaram a ser denunciados no programa «Nós, por Cá», da SIC - ao tempo que isso foi!), constituem, além de um autêntico crime público (pelo perigo que representam), uma manifestação escandalosa de desleixo, insensibilidade e incompetência. 
Note-se como as lages que ainda existem já estão rachadas (e em vias de quebrar), sem que em cima delas passe algo mais pesado do que pessoas a pé!

O caso do vereador voador

Por Ferreira Fernandes 
Em setembro, Luís Sousa, PSD, foi eleito nas autárquicas em Baião. Felizmente, sendo ele um autarca (do grego autarkos), não deixou também de ser um autarco (do grego autarkes). Os baionenses puseram-se a ler o programa do partido e só lhe deram 18,42 por cento de votos. Tivesse o nosso homem sabido explicar que mais do que autarca ele era um autarco, isto é, "sóbrio, moderado" (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, José Pedro Machado), e teria limpado a câmara. Não interessa, foi eleito vereador. Da sua ação de autarca, confesso, não pesco nada. Do quanto o autarco tem poupado a Baião sei muito. Três meses depois de eleito, Sousa, que é enfermeiro, foi trabalhar para Londres e lá tem residência oficial. Não descurou as obrigações de eleito e vereador continuou. Quer dizer, duas vezes por mês vem às reuniões do executivo. Nesta semana, soube-se que ele quer que a câmara lhe pague as viagens de avião (Londres-Porto-Londres) e o carro até aos aeroportos. E, hoje, em Baião critica-se o vereador voador. Ora, em setembro, o candidato Sousa deveria ter-se apregoado assim: "Daqui a meses vou para Londres e vocês pagarão só uns ida-e-volta na Ryanair, a baratucha. Eu, o moderado, prometo-vos que não emigro para o Maputo (8000 km) e vocês não têm de pagar bilhetes de mil euros!" E, se fosse preciso, ameaçava ir viver para a selva de Cabo Delgado, o que de táxi até Maputo, duas vezes por mês, nem todo o orçamento de Baião chegava... 
«DN» de 22 Fev 14

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21.2.14

Insigne botânico e grande senhor da palavra

Para os que tiveram o privilégio de lidar com ele, o Catarino, na gíria dos alunos, ou o Mangas, para os amigos mais chegados, é uma mistura alegre e contagiante de sabedoria, humanidade e simpatia.
Por A. M. Galopim de Carvalho
MEU PAR na direcção do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, o Prof. Fernando Catarino, ainda bem activo em múltiplas acções de cidadania, é, de entre os universitários que conheço, um dos que guardo no cofre das boas memórias.  Foram 50 anos de convívio profissional e de companheirismo nas lides pela vulgarização do conhecimento científico que protagonizámos neste Portugal sempre adiado, eu, como de costume, falando de pedras, e ele, de tudo o que tem a ver com árvores e florestas, jardins e flores, das rosas às papoilas. (...)
Texto integral [aqui]

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20.2.14

Portas, o 8.º marido de Zsa Zsa Gabor

Por Ferreira Fernandes 
Gosto de Paulo Portas, que me fala em bom português. O esforço que ele se dá em não ser irrevogavelmente enfadonho, de tão raro nos atuais líderes, compensa o pecadilho de mentir, e muito, que compartilha com a maioria dos seus colegas políticos. Ontem, porém, desiludiu-me. Sendo o 8.º governante a falar numa sessão pública, aproveitou-se: "Sinto-me como o 8.º marido de Zsa Zsa Gabor, quando disse: não sei como fazer isto de forma inédita e interessante..." Citou mal, Felipe de Alba, o tal 8.º, nem isso o foi, no dia seguinte o casamento foi anulado: ela ainda não se divorciara do 7.º. Então, porque não se repetiu o casamento? "Porque ele era aborrecido", respondeu a atriz. Eis o erro de Portas: numa conferência patrocinada por The Economist, citou um chato. Podia ter citado o 6.º marido, Jack Ryan, um engenheiro eletrónico, cuja formação técnica não o impediu de inventar a boneca Barbie - não era isso um incentivo para os nossos engenheiros irem para o Vale do Ave? E, sobretudo, Portas devia era ter citado a própria Zsa Zsa: "Sou uma maravilhosa dona de casa. De cada vez que me divorcio, fico dona da casa" - não deveria ser esse o estado de espírito para quando o FMI partir? E a receita dela para a dívida é boa: "Eu nunca odiei um homem a ponto de lhe devolver os diamantes!" Zsa Zsa até tinha a explicação para as reconciliações da coligação: "Divorciar só porque não amamos um homem é tão parvo como casar só porque o amamos." 
«DN» de 20 Fev 14

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Contributos para o debate sobre a calçada portuguesa (11)

Entre ruas, avenidas e largos, são muitos (mas mesmo muitos) os milhares de metros quadrados de calçada portuguesa que se podem ver em Lagos - com algumas particularidades dignas de nota:
A primeira é o uso abundante do calcário rosa (além do preto e do branco); a segunda tem a ver com o facto de não se encontrarem - pasme-se! - pedras soltas.
Por fim, é de saudar que, graças ao civismo das pessoas e ao bom serviço de limpeza urbana, não se encontra uma caca de cão, nem sequer um papel no chão!

Um bispo reformado de professor era o general que faltava

Por C. Barroco Esperança
Num país laico há professores a fazer proselitismo à custa do Orçamento, professores que os bispos nomeiam e exoneram livremente, prestando serviço a uma religião particular, mas pagos por todos contribuintes.
Podem acabar as aulas de humanidades mas mantêm-se como oferta obrigatória as aulas de Religião e Moral católica. Há quem comece a acumular tempo de serviço a doutrinar os alunos, acabe por ultrapassar colegas mais classificados e progrida como professor de biologia. (...)
Texto integral [aqui]

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19.2.14

Portas sabota memória de Gaspar

Por Ferreira Fernandes
Numa dezena de dias, deixei Portugal em crise e regresso com ele "herói-surpresa da zona euro", como diz o Financial Times. Mesmo dando de barato a ofensa sub-reptícia, sabe bem. Sim, aquela palavrinha "surpresa" faz-me lembrar, era eu jovem repórter e tendo sido cumprimentado no jornal por uma qualquer reportagem, que na redação se fez ouvir a voz de um menos jovem repórter: "O texto é bom, surpreendeu-me." Mas o facto é que o patinho feio europeu exportou mais. É verdade que a comparação era connosco, mas hoje fazemos melhor do que ontem, essa é que é essa. Caucionados por lá fora, os eufóricos locais aproveitaram a maré: "Milagre económico", disse Pires de Lima. Depois, ele iria corrigir: "Foi excesso de linguagem..." Não era bem um milagre prodigioso com cura surpreendente, temos de continuar a tomar os remédios... A mensagem de Pires de Lima passou (como são, os do CDS, tão melhores que os sócios a passar mensagens!) E funcionou: um acamado prefere um otimismo moderado a ufanismo. Registada a mezinha, insistiu-se nela: "Não há motivo para um discurso de euforia", disse ontem o mesmo ministro. Há meses, a frase levar-nos-ia a comentar: "Até eles não acreditam..." Hoje, a negativa ("não há motivo") serve para implantar a dúvida inversa: "Queres ver que isto está a começar a correr bem..." Sim, uma crise acabou. Estou a falar de crise política - a do Governo acabou. E, também ontem, Portas sabotou a memória de Vítor Gaspar.
«DN» de 19 Fev 14

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Ah, grande Natália!

Por A. M. Galopim de Carvalho
Anda a circular na net um texto intitulado “As premonições de Natália”. 
Estou muito longe de ter lido a obra de Natália Correia, extraordinária e saudosa portuguesa, mas o pouco que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o privilégio de conviver nos últimos tempos da sua vida, era eu um profissional, a tempo inteiro, de uma ciência demasiado terra-a-terra, em busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos como ela, por modelo. Prenderam-me a ela a intransigência com que defendia a liberdade, a solidariedade e a justiça, o desassombro que usou na palavra falada e escrita, a força e a energia, características que sempre igualei às do igualmente saudoso Ary dos Santos. Natália leu os meus primeiros escritos, que arrumou num estilo que designou por etnologia ficcional, expressão que eu nunca imaginara e que me surpreendeu pela exactidão da análise. Com efeito, ao fim de três décadas a observar e descrever, no rigor exigido no discurso científico, rochas, minerais, fósseis, e um sem número de acontecimentos e de ambientes do passado, eu procurava, nessa nova fase da minha vida, descrever pessoas, ofícios, ambientes e modos de vida que vivi ou presenciei e que guardei quase intactos em recantos da memória. Queria, sobretudo, fazê-lo ao sabor de uma certa intencionalidade poética. Para tal, eu tinha que dar um primeiro passo e Natália deu-me o empurrão necessário. 
Feita esta apresentação da minha relação com esta açoriana, apraz-me transcrever, pelo que têm de realismo, algumas premonições que acredito, mas não posso confirmar, serem dela:
"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista". 
"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente". "Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".
"Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?" 
"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir".
Ah, grande Natália!

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Os pinta-paredes (94)

A única acção eficaz contra os gatafunhos: limpá-los de imediato.

O grau zero da ignomínia

Por Baptista-Bastos
Nas celebrações dos 500 anos das Misericórdias, as televisões filmaram o ministro Pedro Mota Soares, compungido e piedoso, a assistir à liturgia na igreja de Castelo Branco. Um momento de estremecida devoção. Nas orações que acompanhou, afeiçoado de dó e ungido de evidente santidade, o ministro Mota persignou-se, genuflectiu, beijou a mão, tomou a hóstia, certamente pedindo perdão ao Criador pelas malfeitorias infligidas ao mundo dos que trabalham ou que trabalharam. Nós.
O ministro Mota denuncia um rosto de santo de altar, atormentado e macerado, como convém à clemência exposta. O ministro Mota não é uma criatura de Deus: é um adjectivo. Diz-se militante do CDS, mas não propende para "democrata-cristão", tendo em conta a violência dos decretos que assina. Será, quando muito, um servente do ideário neoliberal, que tem desgraçado o País e destruído o que de melhor a pátria possui: a história e a juventude. Depois, pelo que se ouve e diz, vai às missas de domingo, acaso pedir as bênçãos do céu e a absolvição a Jesus.
Que têm a ver as práticas governativas do CDS com a compaixão subjacente ao catolicismo, de que aquele partido se diz estrénuo paladino? Este farisaísmo repartido entre os infames cometimentos de segunda a sexta-feira, e as práticas religiosas como salvação apaziguadora devolvem-nos a imagem de quem está no poder, e se diz católico. Haja Deus e haja Freud!
Talvez Freud seja a explicação mais recomendável para se entender esta corja de hipócritas que invadiu os territórios da decência e transformou o embuste em culto. Talvez. Deus, como precaução de celestes bonanças, serve de ocorrência momentânea, não como devoção e crença.
A repugnante cena de Mota na igreja fez-me recordar um poema de Guerra Junqueiro, recolhido em A Velhice do Padre Eterno, que cito de cor, pelo que me desculpo de qualquer incorrecção: "No meio de uma feira / uns poucos de palhaços / andavam a mostrar/ em cima de um jumento / um aborto infeliz/ sem mãos, sem pés, sem braços/ aborto que lhes dava um grande rendimento. / E o monstro arregalava / uns grandes olhos baços / e sem entendimento. / Ao ver esse quadro, apóstolos romanos/ funâmbulos da cruz/ eu lembrei-me de vós / hipócratas, devassos / que andais pelo universo/ há mil e tantos anos/ exibindo e explorando o corpo de Jesus."
Em Os Irmãos Karamazov, o mais velho deles afirma: "Se Deus não existe, tudo é permitido." Deus existe mesmo para esta súcia que tripudia na política e no espírito, no amor pelos outros, na consciência e na fé, com desenvolto desprezo?
Atingimos o grau zero da ignomínia. Socorro.
«DN» de 19 Fev 14

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18.2.14

«SOL-online» de 17 Fev 14
Confuso?

GRALHAS SEM GRALHAS

Por Antunes Ferreira 
BEBER caju? Essa agora! O homem está choné, absolutamente avariado, cacimbou, é uma pena ver um senhor desta idade num tal estado de degradação. Que, diga-se em abono da verdade, ele já em Lisboa não andava muito direito – a não ser no andar / piso – mas, enfim, disfarçava bastante bem. Só que se lembrou de comemorar as Bodas de Oiro, para o que lhe havia de dar, e as comemorações devem ter-lhe dado voltas à cabeça e… Beber caju? Parece que nem os ares orientais lhe arrumaram a massa cinzenta. +++Mas, não senhor, estou bem, reforçando, estou óptimo. Explico-me. Se precisasse de definir as ruas das cidades de Goa, em especial na rua 18 de Junho, mais precisamente a principal da capital, em duas palavras diria caju e ouro. E porquê? Porque quase se pode dizer que de três em três lojas uma vende caju e a outra joias. O exagero preocupa, mas dá jeito. É claro, nos intervalos, uma panóplia delas, entre as quais as de souvenirs (o estado é o principal destino turístico da Índia), de vestuário, de calçado, de tecidos diversos, de bebidas fortes. 
Por mor dos turistas, por cá a venda e o consumo de álcool são livres e baratos; no resto do subcontinente isso também é permitido, mas as bebidas são mais caras. Ainda há uns anos vigorava a lei seca, excepto para Goa. De tudo um pouco, o comércio é florescente, para não falar nas agências de bancos e as de viagens muitíssimas, nos muitíssimos restaurantes, bares, tascos, farmácias e correlativos, que naturalmente abundam e até em supermercados e centros comerciais, dos quais um exemplo em Pangim é o Caculó Mole, onde se encontra tudo, desde um super espaço de alimentação até ao vestuário, de marcas conhecidas, muitas das quais já são produzidas na Índia. Não falta nada, com excepções diversas e entre estas os produtos lusitanos. Infelizmente nem uma garrafa de azeite português, nem uma embalagem de azeitonas lusas ou de bacalhau, nem uma lata de sardinhas idem, nem uma de chouriços aspas, ou seja, nada de produtos nacionais, o que é estranho dadas as especiais ligações de há séculos existentes. Sem comentários. Ainda agora levámos para a família e amigos azeite, azeitonas e chouriços… do reino, como por cá ainda se diz. Quanto a vinhos… voltarei ao tema. 
Volte-se ao caju, ou seja o pedúnculo do fruto, o pseudofruto ou noz; o fruto propriamente dito é usado na culinária, mas principalmente para produzir o feni, a aguardente – que também pode ser de palma, mas menos – que é um dos principais produtos desta terra abençoada. A Índia é o segundo produtor mundial e, curiosamente, quem levou o cajueiro do Brasil para a Ásia foram… os Portugas. Um quilo de caju custa 580 rupias mais ou menos sete euros… Escrevi um quilo, note-se. Em Portugal qual será o preço? Não sei, nunca comprei caju em tal quantidade, mas creio que de longe será mais elevado. As embalagens – saco em plástico transparente devidamente fechado no vácuo - têm a data de produção, o peso (normalmente de meio quilo) e o preço – o que é rigorosamente estipulado pelo estado para quase todas as mercadorias.
Encontra-se de todas as cores e qualidades. Até o bibé, nome que aqui é dado quando a noz é recolhida ainda verde; aliás, quando o bibé é bebé dizem os entendidos. E, ainda, as manguinhas verdes que eram “furiosamente” apreciadas pela Raquel e os seus colegas que as iam comer às escondidas dos pais – e na praia, quando gazeteavam as aulas ou num intervalo mais prolongado – pisadas com sal e pimenta picantíssima - que se chama chepeni ambli. Mas se começasse a enumerar essa múltipla apresentação ia do picante, obviamente, ao achocolatado. Com mais sal, com menos, cru, assado ou frito, etc. e tal. Um perigo, minha gente sobretudo para os que têm tendência para engordar. O que, felizmente, não é o meu caso…
Há nos campos cajueiros aos magotes e diz-se por cá que são árvores de bebedeira…, tão frequentes como os coqueiros e as palmeiras, as mangueiras, as bananeiras e por aí fora. Já se percebeu, sem margem para dúvidas: este gajo, (i.e., eu,) não está lelé da cuca: bebe-se efectivamente caju, ou seja feni, cujo processo de produção é semelhante ao da nossa bagaceira, com pisa (pelos pé)s, e a subsequente fermentação. Obtém-se assim, o sura. No estado intermédio está a urraca, que fresquinha e misturada com Limka (o mesmo que a Sete em Pé), e com uma pimenta verde (a nossa malagueta, mas muitíssimo mais picante cortada longitudinalmente) é de beber e nem chorar por mais, porque há sempre mais. 
Quanto às ourivesarias é outra estória. Um destes dias, quando não sei, voltarei a elas e a ela. Para aguçar o apetite a quem (ainda) tem a pachorra suficiente para me ler, sempre direi que se prende com a moeda…

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17.2.14

Apontamentos de Lisboa

Já Não Quero Ser Espanhola

Por Maria Filomena Mónica 
CONSIDERO o sexo uma actividade sobrestimada, para o que em muito terá contribuído a Igreja Católica. Bem pode o Papa proclamar que a hierarquia deve abandonar a obsessão com o que se passa na cama; na prática, sacerdotes e fiéis não pensam noutra coisa. Há dias, o Patriarca de Lisboa decidiu regressar ao tema, declarando que, em Portugal, se «facilita» o aborto, uma frase só entendível se tivermos em mente o que se passa em Espanha, ou seja, a polémica à volta da lei apresentada pelo Ministro da Justiça, Ruiz-Gallardón.
Antes, quero explicar o título deste artigo. Nos primeiros dias de 2002, sob o impacto da exposição Goya: La Imagen de la Mujer, escrevi um artigo intitulado «Eu Quero Ser Espanhola». Fascinada com a riqueza da cultura espanhola, desejava passar o resto dos meus dias no Prado. O espectáculo da direita espanhola fez-me voltar ao redil. O Conselho de Ministros espanhol aprovou, há semanas, um ante-projecto onde se declara que a malformação do feto deixa de servir de razão para a interrupção voluntária da gravidez e se prevê que o aborto apenas se possa fazer em dois casos: o de grave perigo da saúde, física ou psíquica, da mãe (o que exige a passagem desta por um labirinto de médicos) ou de uma gravidez fruto de violação (desde que a mulher tenha, na devida altura, apresentado queixa na Polícia). Há coisas que não entendo: um embrião, fruto de uma violação, tem um estatuto menor do que aquele que surge de uma relação consentida? Mistério ontológico.
Não só a lei corre o risco de ser aprovada em Espanha, como a União Europeia está a ser o centro de um debate inédito. Nada entendo da legislação europeia, mas julgava que, em matérias de «vida», competia a cada país decidir. Assim é, mas existem zonas cinzentas. Dois artigos do Tratado de Lisboa (o 11.º e o 24.º) permitem que, uma vez aposto um certo número de assinaturas numa petição, algumas coisas, incluindo o financiamento de investigações feitas com embriões in vitro, possam ser decididas em Bruxelas. Ora, tal como a petição está redigida – nela se afirma não haver diferença entre um embrião, um feto e um recém-nascido – a porta fica aberta para que o aborto seja visto como uma infâmia.
O limite mínimo para se poder apresentar uma iniciativa legislativa deste tipo é de 1.000.000 assinaturas, o que já se conseguiu. Em Espanha, a campanha One of Us está a ser dinamizada pelo ex-Ministro do Interior de Aznar, actualmente vice-presidente do Grupo dos Partidos Populares Europeus, Jaime Mayor Oreja. Entrevistei-o há pouco em Bruxelas. Sabia pertencer a uma família conservadora (eu tinha frequentado, em Londres, o colégio onde também andara uma tia sua) e que era destemido (fora implacável na luta com a ETA), mas não o imaginava tão reaccionário. No acto de apresentação do documento em causa proclamou a necessidade de se travar «uma batalha global em defesa da vida», sublinhando que a luta teria de deixar de ser nacional para se tornar europeia. O fanatismo religioso está em vias de ressuscitar pela mão de um espanhol.
«Expresso» de 17 Fev 14

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16.2.14

Apontamentos de Lagos

Da Alemanha, com tudo a bordo!

Luz - Barcelona

Fotografias de António Barreto- APPh

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Sozinho nas docas… (2012)

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Constrói-se um caso

Por Rui Tavares
Desde as crónicas em que primeiro mencionei a possibilidade de ilegalidade da troika, e depois  tentei demonstrá-la, que o processo às políticas de austeridade se tem vindo a acumular. Realizaram-se as visitas da delegação da Comissão de Economia do Parlamento Europeu aos países da crise e os seus co-relatores fizeram já uma crítica muito sólida dos mecanismos usados pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Indo mais longe até do que eu pensava que iriam, não foram só os erros de previsão económica e outras questões técnicas que ocuparam os relatores. Eles pronunciaram-se também sobre a questão de fundo, a saber: que a troika não tem cabimento nos tratados europeus, por possuir poderes de decisão que não lhe foram outorgados, e por albergar uma instituição extra-União (o FMI) com o qual não há nenhum tipo de acordo, que necessariamente teria de ser ratificado pelo Parlamento Europeu, para cooperação entre esta instituição e a zona euro.
Claro que os artífices da troika, tal como certos estados-membros e o comissário Olli Rehn, tentam tapar o sol com a proverbial peneira. Alegam que a troika não manda nada, que a troika não toma decisões, que a troika, no fundo, nunca existiu. Mas os relatores do Parlamento Europeu estabeleceram bem que a troika toma decisões e, em muitos casos, impõem essas decisões aos estados que do seu assédio são vítimas.
Agora há mais: um novo estudo encomendado pela União Europeia dos Sindicatos a um professor da Universidade de Bremen, Andreas Fischer-Lescano, defende que a ação da troika viola a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. O professor Fischer-Lescano critica mesmo o inquérito do Parlamento Europeu por “quase não ter olhado para a dimensão de direitos humanos” que foi posta em causa pela troika quando, por exemplo, esta forçou países a baixarem os seus salários. “A estabilidade financeira”, diz ele, “foi posta acima de todas as outras considerações”, mesmo as que são essenciais à própria estabilidade financeira (como a estabilidade social). E, embora os próprios países tenham tomado a decisão soberana de assinar os memorandos de entendimento, alega o jurista que “há limites para o que se pode pôr num memorando” sobretudo quando a alternativa do país é a bancarrota. Como para os indivíduos, para quem a escravatura por dívidas foi abolida, também para os estados há de se chegar à conclusão de quem nem tudo é possível fazer com um país endividado.
A Carta dos Direitos Fundamentais é um documento admirável, muito mais abrangente do que os poucos artigos dos tratados sobre os valores e os objetivos da União que eu tenho usado nestas crónicas, exceto por um defeito: o seu artigo 51 que limita a aplicação da própria Carta, não a deixando penetrar na ordem interna dos estados.
É essa a maravilha da análise do professor de Bremen: a cláusula de limitação da Carta dos Direitos Fundamentais aplica-se aos estados, mas não às instituições da União. E a troika tem duas delas — a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu — que, se justiça fosse feita, deveriam estar agora em apuros.
Claro que entretanto toda a gente já proclama que a troika foi uma solução ad hoc, e que não deve ser repetida. Mas não podemos ficar por aqui. Danos injustos e desproporcionados foram causados a milhões de pessoas. Alguém tem de pagar. Onde houve um dano deve haver uma compensação.
«Público» de 05 de Fev 14

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PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA - 5

Por A. M. Galopim de Carvalho 
GEÓLOGO e paleontólogo norte-americano, com grande influência na história da geologia e na da paleontologia dos invertebrados, James Hall (1811-1898). Entre os seus muitos trabalhos, ressalta a identificação, no norte do Michigan e em Wisconsin, dos primeiros recifes fósseis encontrados na América do Norte, e a demonstração da origem orgânica dos estromatólitos fósseis descobertos perto de Saratoga Springs (Nova York), num local a que foi dado o nome de Petrified Sea Gardens, considerado Património Histórico Nacional. (...) 
Texto integral [aqui]

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15.2.14

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Contra os cortes na ciência portuguesa

Por Carlos Fiolhais
Numa longa entrevista que dei ao "Jornal de Negócios", publicada hoje no número de fim de semana, interrogado sobre os recentes cortes na ciência, afirmei o seguinte:
Se queremos manter o nosso nível de vida ou até melhorá-lo, precisamos de mais e melhor ciência. E a ciência dá resultados. É por isso que eu vejo como importantes as preocupações em Portugal sobre o futuro da ciência. Nos últimos vinte anos, a ciência progrediu muito, formámos bastantes mais pessoas, temos uma geração científica que está ao nível dos melhores. Este esforço tem de continuar.
Se há uma mudança de paradigma, como dizem, é de um paradigma de crescimento para um paradigma de decréscimo. Há uma razia enorme, sem aviso. E não há nova política, porque, se houvesse, tinha sido anunciada e discutida na Assembleia da República. Há um engano perfeito. Os jovens tinham expectativas sobre a continuação dos seus estudos. O que me preocupa não são os cortes, é a falta de inteligência nos cortes.
Os governos têm de ouvir os cientistas e o nosso governo está surdo, mudo e cego. Estou a  chegar de França e li uma notícia sobre um comunicado do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia que, aparentemente, foi censurado. É de bradar aos céus, como é que isto é possível num país democrático? A democracia não está em risco, mas estamos a ver sintomas de atentados a normas democráticas e não devemos tolerar isso. Parece que estamos todos atordoados, adormecidos, pouco críticos. Isto de estarmos encolhidos tem de acabar. Não devemos permitir que um órgão independente seja impedido de ser independente.
Já a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) é uma repartição do Estado que terá recebido ordens para fazer uns cortes e fê-los sem qualquer espírito crítico, sem saber sequer o que é a ciência. A dimensão cultural da ciência é desconhecida da FCT. Acabaram com duas áreas fundamentais: história da ciência e promoção da ciência. É como se tivessem cortado a ligação da ciência à sociedade e à cultura. E a ciência, sozinha, estiola.

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14.2.14

ROCHAS ÁCIDAS, NEUTRAS E BÁSICAS. O porquê destas adjectivações

Por A. M. Galopim de Carvalho
ENQUANTO aluno na universidade aprendi que as rochas magmáticas ou ígneas se podem arrumar sistematicamente em ácidas, intermédias ou neutras e básicas, mas ninguém me explicou o porquê dessa adjectivação. Aprendi-o ao estudar para poder ensinar e escrevi-o no livro que publiquei em 2002, Introdução ao Estudo do Magmatismo e das Rochas Magmáticas (Âncora Editora). A explicação é simples e podemos encontrá-la na história da química. Na impossibilidade de a facultar à grande maioria dos professores que ensinam geologia nas nossas escolas, seria interessante que (beneficiando da capacidade de divulgação por via electrónica de que hoje dispomos) os que tiverem oportunidade de ler estas curtas e despretensiosas linhas, as reencaminhassem aos seus colegas. (...)
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13.2.14

A esquerda e as esquerdas - o seu e o nosso labirinto

Por C. Barroco Esperança
A Europa está a resvalar para uma direita de matriz fascista, longe daquela que se bateu contra o nazi-fascismo, agora, de novo, nacionalista, xenófoba e racista. Já se apresenta a votos, tal como é, às escâncaras, enquanto a esquerda defende a ortodoxia ou capitula, isto é, se divide numa luta tribal que facilita a vida à extrema-direita. 
 A reflexão sobre o período e as ocorrências que antecederam a Segunda Grande Guerra (1939/45) podia ser a benzodiazepina necessária para acalmar os ímpetos dementes do extremismo e a pílula que controlasse o renascimento dos demónios totalitários. (…)
Texto integral [aqui]

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12.2.14

O cardeal Clemente

Por Baptista-Bastos
Li, há dias, no Público, uma entrevista a D. Januário Torgal Ferreira, antigo bispo das Forças Armadas. Um refrigério, se a compararmos com a dicção monótona, precaucionista, desagradável e espalmada de, por exemplo, D. Manuel Clemente. 
O patriarca de Lisboa é uma sombra melancólica do que foi. E foi um homem desenvolto quando reitor do Seminário dos Olivais. 
Conheci-o num debate promovido pela SIC e moderado por Margarida Marante. Um regalo para os olhos e para o espírito. Dois homens cultos, que se respeitavam e desejavam expor, sem gritaria, as suas visões de mundo e as características das respectivas singularidades. 
Carteámo-nos por e-mail e, mais tarde, com ele participei, no Porto, em uma controvérsia sobre exclusão social, sob o patrocínio do Montepio Geral. 
Ouço-lhe as homilias, os comentários, leio-lhe as entrevistas e as enunciações. Tentava descobrir, no homem de hoje, o padre aberto, dialogante e claro de outrora. Nem sequer a mais ligeira recomendação sobre o Papa Francisco. 
A homilia há dias proferida na Capela de Santa Maria constituiu um fluxo de banalidades, mais comuns a pároco de aldeia e não ao fino intelectual interventivo e solidário que foi e deixou de ser. 
Parece, inclusive, nas evasivas, nas sinédoques e metáforas com que ornamenta a oração, não estar disposto, como devia e seria imperioso, a arguir, a denunciar, a verberar a situação portuguesa, em todas as vertentes da sua desgraçada miséria. 
O mutismo do patriarca Clemente chega ser inquietante, e nada tem a ver com o vendaval moral e cultural que varre o Vaticano. Aliás, ele não está só nesta incongruência desacreditante. 
O Episcopado rege-se pela mesma pauta e pratica o silêncio como forma de passar ao lado. O Papa quer punir os padres pedófilos, através das leis civis. Quanto a esse assunto, oclusão absoluta, de que é paradigma o caso de D. Carlos Azevedo. 
A Igreja regressou ao breviário mais reaccionário e mais infame. Nos momentos em que mais precisamos da sua voz e do exemplo dos seus melhores homens, desvia-se e entoa outros cantares. 
Habitualmente, segue a música do suserano. Cabe-nos, também, modificar essa obediência, que possui algo de servidão e de medo.
"DN" de 12 Fev 14

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10.2.14

OS ANOS DEVASTADORES DO EDUQUÊS - OUTRA PROVA

Por Guilherme Valente
«Os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos. Esta é apenas uma das conclusões do estudo da Universidade Católica e do Instituto Luso-Ilirio para o Desenvolvimento Humano» (notícia no Público de 15/01/14). E, diz ainda o estudo, também menos felizes. 
Foi, como se sabe, o que, infelizmente, previmos, que andámos a dizer há mais de 20 anos. Está escrito nos inúmeros artigos que publiquei, registado no meu livro com um título, Os Anos Devastadores do Eduquês, expressivamente convergente com os resultados do estudo agora divulgado. Quanto mais tempo na escola que temos tido, pior. 
As consequências destes anos de domínio da ideologia e das práticas educativas que tenho designado com a palavra «eduquês» eram já bem visíveis para quem pudesse olhar com espírito livre. Desde logo, em várias manifestações na escola, e, depois, na sociedade, da política à economia, manifestações que cada vez são mais impressionantes. 
A solidariedade, o seu sentimento e necessidade, a felicidade, seguramente, só podem assentar nos grandes valores e nas manifestações mais elevadas da cultura, do conhecimento, da religião, do altruísmo, da generosidade humanos. Valores, conhecimento e cultura que, pelo contrário, foram desvalorizados, durante todos estes anos, por esta escola, dita moderna, mas posmoderna, das «ciências» da educação. 
Escola dos «chavões» da «aula como continuação do recreio», do «aprender a aprender», do «aprender sem esforço», das avaliações a fingir, cujos resultados, mesmo assim, esconderam ao País enquanto os deixámos; do «ensino centrado no aluno», que, como demonstrámos, não queria dizer «ao serviço do aluno», como devia querer ser, mas sim «o ensino definido pelo aluno», imagine-se». Escola marcada (até David Justino e José Sócrates, registe-se) pela estigmatização do ensino técnico, escola da grande mentira da «inclusão» - como pode ser isso apregoado, quando se foi vendo logo que as crianças mais desfavorecidas fugiam cada vez mais dela? 
Aqueles que, durante todos estes anos, ignorando a prova da realidade, teorizaram e impuseram o ensino que temos tido - um ensino que expulsou ou foi desvalorizando a memória, a história, a grande literatura e com ela o ensino da língua e a expressão do pensamento, a filosofia, o conhecimento que conta; um ensino sem exames, sem exigência, sem emulação, sem a valorização do mérito, sem regras; um ensino permissivo, com os jovens abandonados ao «instinto reptiliano», e mesmo, nalgumas situações, encorajados a manifestá-lo - um ensino que, diziam, e continuam a dizer, tornaria os portugueses mais tolerantes, solidários, participativos e cooperantes, criativos e empreendedores, mentiram ou falharam. Aconteceu o contrário. Não tornou os Portugueses mais informados, nem mais cultos, como imediatamente se podia ter percebido, mas também não os tornou mais generosos e solidários. O verdadeiro, interiorizado, reflectido conhecimento é gerador de solidariedade, a ignorância é sua inimiga. E quanto mais anos neste ensino, pior. Mais instruídos? Mais solidários e empenhados no bem social? Não. Apenas com mais anos na escola errada. Como este estudo da Universidade Católica parece ter já podido verificar. Essa ideologia e essa prática "educativa" roubaram as crianças, deixaram que perdessem os valores tradicionais que transportavam, e que fossem substituídos por uma espécie de lei da selva, que chegou até, de algum modo, a ser valorizada. Violência que tem a expressão mais imediata e vísivel nas agressões aos professores e entre os alunos, e o seu espaço natural na anomia anti-educativa dos hiperestabelecimentos escolares. Violência que cresceu sempre, em número e em grau. 
E mesmo que se actuasse já no ensino, num grande movimento nacional que tudo, infelizmente, indica parecer impossível - e ainda que resultados dessa boa mudança logo se manifestassem no ambiente das escolas e no aproveitamento dos alunos, como tenho dito - a alteração do perfil médio dominante dos portugueses que o tal estudo da Universidade Católica revela só no longo prazo, como se compreende, se verificaria. E Portugal, entretanto, como se tem visto, irá pagando a factura. 
Há de resto muitos outros indicadores desta realidade. Por exemplo, no domínio, determinante, da leitura. A escritora Alice Vieira referiu que há dez anos ia às escolas apresentar e discutir os seus livros com miúdos de 12 anos. Hoje vai à escola apresentar e discutir os mesmos livros... com jovens do 12.º ano! 
E é urgente divulgar e pensar uma situação terrível que terá consequências dramáticas para o País: os grandes livros que veiculam o conhecimento universal estão já a deixar de ser publicados em português. Por falta de leitores. De um número mínimo de leitores que viabilize os custos da sua edição. 
O que o estudo da Universidade Católica - que é também, curiosamente, uma tese de doutoramento em «ciências» da educação - parece provar é, pois, infelizmente, o que eu sempre disse, e que não era, aliás, difícil de prever. 
"Tudo é igual a tudo" é, afinal, a expressão pós moderna que melhor traduz a ideologia e a pedagogia que também à nossa escola foram impostas durante todos estes anos de devastação. O resultado aí está, documentado agora por um estudo que parece ser insuspeito e merecer, por esta primeira notícia, credibilidade. Mas não era preciso estudo nenhum para o provar, bastaria pensar e, depois, olhar. 
Claro que [há] certamente gente boa e muito boa, como sempre houve e haverá. Tendo havido também bons professores que conseguiram resistir, como sempre aconteceu no passado, há também bons alunos que sobreviveram ao sistema. Instruídos e bem formados… fora da "escola". Como pode falar-se nas «gerações mais qualificadas que Portugal teve»… 
Mas mudar está ao nosso alcance, depende apenas da nossa vontade. O que é preciso primeiro [é] quer[er] ver e assumir a verdade. 
"DN" Fev 14

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