23.7.14

O horror e sobretudo como sair dele

Por Ferreira Fernandes 
A cidade Dresden foi arrasada em dois dias de 1945 e esse horror não faz uns, bons, os carbonizados cidadãos alemães, e os outros, maus, os aviadores americanos. Duplamente do lado errado (porque preso pelos alemães e porque sob as bombas dos seus compatriotas), o soldado americano Kurt Vonnegut nunca se esqueceu dos feridos e mortos que eram, dias ou horas antes, seus inimigos. Quando se tornou escritor, teve de recorrer à ficção científica, no romance Matadouro 5, para resolver consigo próprio o que vira. Sim, para bem dos homens é essencial essa compaixão, essa indignação. Por estes dias, vi jornalistas árabes a cair em soluços quando narram os horrores de Gaza. Redimem os homens. Mas apaziguar-me-ia mais ver jornalistas israelitas a exprimir os mesmos sentimentos perante a carnificina de que são vítimas, por estes dias, os palestinianos. E também gostaria de, já nem digo em vídeos do Hamas, ver jornalistas da Al Jazeera cair em soluços pela morte de um civil israelita. E esse, o choro do islâmico pelo islâmico, do israelita pelo islâmico e do islâmico pelo israelita, até nem seria pedir muito, é o patamar mínimo - ser contra os efeitos da guerra é o banal. O grandioso - sim, porque a história não é só o exato momento destes dias, há um passado e pretensos futuros - seria todos acharem que os dois lados têm o direito a estar ali. E isso, aos israelitas, há quem não reconheça, nem para início de conversa.
«DN» de 23 JUl 14

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