18.7.14

Como Enriquecer sem Risco

Por Maria Filomena Mónica
 PARA SE ENRIQUECER em Portugal não é preciso faro empresarial, inteligência ou trabalho. Basta conhecer alguém no governo ou nos partidos. Certamente que os leitores não estarão à espera que eu entenda os pormenores técnicos do processo de criação das PPP, mas julgo saber que foram criadas por Executivos em vésperas de eleições, envolvendo contratos favoráveis aos privados e lesivos do interesse dos contribuintes. Se não acredita, entretenha-se a ler os documentos oficiais e ainda o relatório da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Em 2013, segundo o Correio da Manhã (11. 5. 2014), 19 ex-governantes usufruíram, em empresas cotadas, remunerações anuais que ascenderam a 3,6 milhões de euros. Como é óbvio, a passagem pelo governo foi uma plataforma para se chegar a melhor lugar. Em cima do carrossel estão sempre os mesmos.
Esta forma de obter vantagens não é diferente do que se passava com o velho contrato do tabaco. Durante séculos, este sector foi um exclusivo da Coroa. Por razões que não vêm ao caso, a certa altura, passou a ser entregue a particulares, através de arrendamentos, os quais tiveram sempre numerosos pretendentes. Isto não nos deve admirar, uma vez que a receita representava um dos mais seguros meios de acumular fortuna. A importância do contrato demonstra a fraqueza do capitalismo nacional: não era por fábricas, por minas ou por companhias de navegação que os portugueses se interessavam, mas por um sector arcaico e dependente do Estado.
Grande parte das mais luxuosas casas lisboetas pertenceu a famílias há muito ligadas ao tabaco. Vejam-se os sinais exteriores de riqueza: as casas de José Maria Eugénio de Almeida a S. Sebastião da Pedreira (actual Quartel General), os palácios do conde de Farrobo (actual IADE e a Quinta das Laranjeiras, hoje Jardim Zoológico e Ministério da Educação), a casa dos Pinto Bastos ao Chiado (hoje da Seguradora Mundial), o palácio do conde de Castro Guimarães em Cascais (hoje um museu), a mansão do conde de Burnay (hoje a sede do ISCP) e o palácio dos Marqueses da Praia (hoje a sede do PS). E ainda a quinta de Tomás Maria Bessone, na Penha Longa, a Quinta das Águias do 1.º Barão da Junqueira no bairro com este nome, o palácio de José Isidoro Guedes ao Campo Santana (Embaixada Alemã), o palácio dos Ulrichs na Cova da Moura, a casa de José Almeida Brandão e Sousa à Junqueira (Arquivo Histórico Ultramarino) e sobretudo a Praça do Príncipe Real, o sítio preferido por famílias ligadas ao negócio, com o seu palácio oriental, mandado construir por José Ribeiro da Cunha e, do outro lado, os palácios de João Paulo Cordeiro, do visconde de Penalva e do Barão de Santos. A lista demonstra o fausto em que os concessionários viviam.
O processo das PPP é parecido com a concessão do tabaco: o Estado escolhe quem, de entre os ricos, se tornará milionário. Só peço uma coisa: por favor, não me venham com a treta de que este governo é «neo-liberal». A troika não mudou o nosso carácter. O mercado continua a ser um fruto que não amadurece neste solo.                    
«Expresso»

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1 Comments:

Blogger Anónimo said...

A MFM esqueceu de referir os sinais exteriores de riqueza dos seus amigos ingleses, concessionários de linhas de caminho de ferro em Portugal no século XIX. Fomos roubados pelos bretões e ficamos dependentes dos obrigacionistas de Paris até ao início da década de 30 do século passado. Porém, nada que se compare com o presente. Hoje, os políticos e outros que passam pelo poder trabalham em terra pátria para os chineses, franceses, angolanos e brasileiros. Dizem que o mundo mudou... mas a fome de batatinhas, não!

20 de julho de 2014 às 18:12  

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