21.7.14

Herdar Pode Fazer Mal à Saúde

Por Maria Filomena Mónica
EM 1988, em vésperas de morrer de um cancro na laringe, o meu pai aproveitou um dos raros momentos em que esteve comigo sozinho para me dizer, na voz rouca que agora era a sua, que o maior desgosto da sua vida era não me poder deixar nada. Sendo o primogénito, fora obrigado a tomar conta do negócio do meu avô – exportação de madeiras – para o qual não tinha nem jeito nem apetite. Nos finais da década de 1950, sem que ninguém tivesse dado por isso, a empresa estava arruinada. Tentou escondê-lo, primeiro, de si próprio, depois, da minha mãe – uma coisa impossível – e finalmente dos seus quatro filhos. A conversa comigo repetir-se-ia noutras ocasiões, tendo-lhe dito, com uma ternura de que me julgava incapaz que, em vez de isso me ser prejudicial, era uma bênção.
Sempre pensei que a herança faz mal às pessoas, crença que se foi solidificando com os anos. Claro que o dinheiro é importante, sobretudo por ser uma base de independência, mas tem de ser ganho, não caído do céu. Como vimos no recente caso de um conjunto de banqueiros aparentados, a riqueza contribui para nos apodrecer, para suscitar rivalidades entre irmãos e para destruir famílias. Um dos responsáveis é o Estado, que não admite a liberdade de testar. Não é a primeira vez, nem provavelmente a última, que me perguntam se não sinto um instinto maternal no que diz respeito ao património. Não, porque o meu pecúlio (reunido com o objectivo de pagar as enfermeiras que me irão tratar) é reduzido e por julgar que isso faria mal aos meus descendentes.
E se fosse muito rica, perguntam-me? Admito que deixaria um fundo aos meus netos para que pudessem ingressar numa boa Universidade estrangeira. E se restasse dinheiro nos cofres? Nesse caso, deixá-lo-ia a uma causa que merecesse o meu apoio. Não se trataria de fazer a proverbial caridadezinha, mas de contribuir para que o meu país desse oportunidade a quem a merece. Sei que frequentemente, por detrás da retórica meritocrática, se esconde a vaidade ou a embirração com os filhos. Não é o meu caso.
No mundo anglo-saxónico, a tradição de devolver à sociedade o que ela nos deu mantém-se. No século XIX, os casos mais paradigmáticos foram o de Andrew Carnegie (1835/1919) o qual, após ter constatado que, em geral, os herdeiros delapidavam o dinheiro de forma estúpida, optou por criar museus, fundações e bibliotecas, e o de John D. Rockfeller (1839/1937), o autor das frases inscritas na placa comemorativa do seu Centro em Nova Iorque. A tradição mantém-se, quer nos EUA, quer em Inglaterra. No último mês de Março, John Records, CEO e fundador da empresa ao.com, que vale 500 milhões de libras, declarou publicamente: «Os meus filhos não herdarão um tostão». Há outros casos de gente famosa – desde o casal Gates, donos da Microsoft, a Anita Roddick, fundadora da cadeia Body Shop, – que tencionam fazer o mesmo. O dinheiro herdado gera adolescentes retardados: não é isso o que desejo para os meus netos.
«Expresso»

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1 Comments:

Blogger Unknown said...

"Queres fazer bom negócio? compra a quem herdou e não a quem o ganhou".
José Dias

22 de julho de 2014 às 14:05  

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