26.7.14

Como sabe bem ser tratado com respeito

Por Ferreira Fernandes 
O jornal francês Le Monde faz 70 anos em dezembro e, já neste verão, tem-nos apresentado uma série de textos sobre si próprio. Eles farão parte parte de um livro, a publicar em breve, sobre "a história do jornal, em tensão com os grandes acontecimentos que marcaram as últimas sete décadas". Sei o que significa aquela expressão "em tensão": respeito pelo leitor. O mundo é para os jornais, e não é preciso chamar-se Le Monde para isso, o seu ganha-pão: percorrem-no, tentam entendê-lo e apresentam-no ao leitor, que os sustenta. Como diz o slogan feliz da nossa TSF, aconteça isso ao fim do mundo ou ao fim da rua. Porque foi fundado numa França que precisava de reconquistar prestígio no fim da Segunda Guerra Mundial, Le Monde construiu uma rede de colaboradores nas mais longínquas capitais e várias gerações de europeus souberam de Pequim, Hanói e Cairo, quando por lá a história se revolvia, graças a Jean Lacouture, Jacques Amalric, Jean-Claude Pomonti... Ora, na referida série, Le Monde, ontem, contava-se não em glória, mas num erro (um crime, até) que cometeu no seu negócio (vender o mundo, recordo). Quando os Khmers Vermelhos tomaram o poder no Camboja, em 1975, o jornal escreveu como libertação o que viria a ser um genocídio. Ontem, sem autocomiseração, o jornal contou com nomes e frases duras o seu erro. Ao leitor, tratou-o como velho companheiro, a quem deve respeito, amor e dois euros todos os dias.
«DN» de 26 Jul 14

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