18.4.14

Por favor, procurem José Arcádio Buendía

Por Ferreira Fernandes
Há 20 anos, os diretores do DN Bettencourt Resendes e Fragoso Mendes enviaram-me a Cartagena, Colômbia, representá-los num encontro de diretores de jornais ibero-americanos. Sou péssimo em formalismos mas, na verdade, a viagem servia de pretexto para reportagens, que fiz depois, em Cali e Medellín sobre a droga. No entanto, guardo do encontro de Cartagena uma foto de que gosto. Estou no grupo de diretores (eu, como já disse, intrometido), prestando guarda de honra ao cidadão mais nobre da terra, o único em camisa, uma bela guayabera cercada pelas nossas gravatas. É a única foto que tenho com Gabriel García Márquez e é natural que assim seja porque ele não sabia nada de mim e assim continuaria até ontem. Gosto e orgulho-me dessa foto de grupo, porque a conquistei. Conquistei o direito de não ter uma foto indecentemente agarrado a Gabo, como quase todos (suspeito até que todos) fizeram naquele fim de tarde entre as muralhas de Cartagena. Estou ali, secundário, como devia ser perante o autor de Cem Anos de Solidão. Nunca ouvi Jacques Brel num palco, mas havia-me convencido de que se tal tivesse acontecido não bateria palmas - não cometeria a iconoclastia de responder a deuses, nem com agradecimentos. Mas seria assim, mesmo? Sim, afinal, era capaz. Estive com o deus que criou o mundo de Macondo e foi pai de sete gerações de Buendías, nunca estive tão perto de um escritor que amei tanto e fiquei no meu lugar.
«DN» de 18 Abr 14

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