9.4.14

A nossa tristeza triste

Por Baptista-Bastos
Um estudo europeu revela que os portugueses são dos povos mais tristes do continente. Não esclarece, o estudo, que medições foram utilizadas, que processos científicos, ou não, indicaram as razões dessa tristeza. Estes métodos comparativos surgem periodicamente e, às vezes, acertam; mas constituem, apenas, afirmações desasadas, produto da criatividade de quem os organiza. Unamuno, por exemplo, não escapou a generalizações, e escreveu que os portugueses são um povo de suicidas. E os franceses tornaram conhecida a epítome tão absurda como abstrusa: "Les portugais sont toujours gais." Eduardo Cortesão, grande psicanalista, disse que nós, como os outros, éramos ciclotímicos. Sirva-se à vontade das definições quem o desejar e querer. Mas a nossa tristeza possui raízes sociais, políticas e religiosas facilmente entendíveis. O cantochão, o hissope, a labareda inculcaram-nos o terror e o medo, pecadores infames e sem remissão. Em quase mil anos de história, e atendendo a todos os conceitos de liberdade conhecidos, temos quase sufocado com a falta dela e as imposições das classes dominantes. Não há que fugir a isto. Os grandes poetas não se calaram, apesar de tudo. De Camões a Sá de Miranda, passando por Bocage e, mais próximo, O"Neill, Armindo Rodrigues e José Gomes Ferreira, todos eles e muitos mais nunca foram cúmplices do silêncio, porque enjeitavam a vassalagem. "Não hei-de morrer sem saber a cor da liberdade." Eis o grito de Jorge de Sena. "A tristeza é o vinho da vingança", cantou Carlos de Oliveira. E Manuel Alegre publicou, agora, País de Abril, uma selecção de poemas belíssimos que talvez devesse ser lida nas escolas.
"É preciso saber porque se é triste/ é preciso dizer esta tristeza/ que nós calamos tantas vezes mas que existe/ tão inútil em nós tão portuguesa".
Somos assim porque o somos? Não porque assim nos fizeram, moldados às circunstâncias? Manuel Alegre sabe que a História é uma deusa cega: cobriram-lhe os olhos aqueles cuja sede de domínio encontrou apoio e sustentação em forças e instituições que cultivam e impõem a superstição, o respeitinho, a obediência, a servidão. Quando passam quarenta anos sobre a data na qual a felicidade foi a estrela cintilante da manhã, quando vislumbrámos ser felizes, enredou-nos novamente "esta tristeza que nos prende em sua teia." As sombras dos muitos medos regressaram-nos e reassolaram a Europa. Os medos que visam atingir o que caracteriza a lógica da liberdade. Os medos que possuem rostos, os de agora, expressão do que sempre foram. O reaparecimento destes rostos constitui o modelo de um mundo que não morre porque fundado na relatividade e nas hesitações das coisas humanas.
"Porquê esta tristeza como e quando/ e porquê tão submissa tão tranquila (...) É preciso matar esta tristeza."
«DN» de 9 Abr 14

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