19.3.14

Os dois do nosso drama

Por Baptista-Bastos
O chá das cinco de segunda-feira, entre Passos Coelho e António José Seguro, resultou no baço espectáculo "mediático" que tudo abrevia e a nada chega. O importante passou ao lado: o facto de a pontuação que separa o PS do PSD estar cada vez mais minguada, atentando-se, até, que, se a coligação continuar, registar-se-á "empate técnico", rigorosamente a derrota do socialismo chilre do triste Seguro. Não se exige, bem entendido, que o PS seja o que nunca foi, um partido "revolucionário"; mas assim, como está, também é de mais. Desesperantemente de mais.
Que separa ou diferencia o PS do PSD, neste momento crucial para a própria existência de Portugal como nação? Sem quase termos dado por isso, os dois partidos abreviaram, ou liquidaram por completo, os projectos iniciais, marcados por um conceito "reformista" da sociedade. O PSD, então PPD, demoliberal, desejava que se mexesse em alguma coisa, para que tudo ficasse mais ou menos na mesma. Não foi admitido na Internacional Socialista, et pour cause. O PS cantarolava o estribilho "partido socialista, partido marxista", até que Willy Brandt deu instruções para que a casa fosse posta em ordem. Apagaram-se símbolos (como o do punho esquerdo erguido, que cedeu o lugar à imagem da rosa) e desapareceram dos discursos oficiais expressões como "trabalhadores", "classe operária", substituídas por "classe média" e afins.
Seguro e Passos provêm de idêntica fornada. Este último ainda andou pelos comunistas pequeninos, mas pirou-se quando percebeu que não estava ali para mudar o mundo, sim para organizar a vidinha. O Seguro navegou nas águas mansas da jota, precavido, sempre sorrateiro e de soslaio, emboscado para quando a oportunidade surgisse. É um embuste de si próprio, porque produto de uma época que se ludibria a si mesma. Ambos nascidos da "era do vazio" ou da "insignificância." Passos muitíssimo mais perigoso porque muito astuto e obcecado. Seguro mais tolo porque mais claramente vaidoso e irresoluto.
A política, quando o é, e estes dois senhoritos nada têm que ver com ela - a política é constituída por todas as formas de filiação social. Não se reduz, como os dois senhoritos, e outros mais o fazem, à prática de mero exercício de poder, cujo valor intrínseco está associado a zonas de interesses. A política, na expressão mais nobre, corresponde a conveniências comuns, que apenas divergem nos modos de acção. Finalmente, a política é um acto de cultura porque acto de relacionamento. Se submetêssemos tanto Passos como Seguro à mais modesta sabatina de conhecimento geral, talvez não ficássemos muito surpreendidos com o grau de ignorância revelado. Não é grave por aí além; só o é porque ambos governam ou ambicionam governar um povo. Neste caso, infelizmente, nós. O nosso drama reside nos dois.
«DN» de 19 Mar 14

Etiquetas:

1 Comments:

Blogger Leo said...

E alguém tem memória de ter sido bem governado neste país?
Mas nós cá estamos, bem ou mal governados. Alguém, bem ou mal, fez com que aqui chegássemos. Agora, governantes de bancada, uiii...
Há imensos e para todos os gostos.

20 de março de 2014 às 13:14  

Enviar um comentário

<< Home