10.2.14

OS ANOS DEVASTADORES DO EDUQUÊS - OUTRA PROVA

Por Guilherme Valente
«Os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos. Esta é apenas uma das conclusões do estudo da Universidade Católica e do Instituto Luso-Ilirio para o Desenvolvimento Humano» (notícia no Público de 15/01/14). E, diz ainda o estudo, também menos felizes. 
Foi, como se sabe, o que, infelizmente, previmos, que andámos a dizer há mais de 20 anos. Está escrito nos inúmeros artigos que publiquei, registado no meu livro com um título, Os Anos Devastadores do Eduquês, expressivamente convergente com os resultados do estudo agora divulgado. Quanto mais tempo na escola que temos tido, pior. 
As consequências destes anos de domínio da ideologia e das práticas educativas que tenho designado com a palavra «eduquês» eram já bem visíveis para quem pudesse olhar com espírito livre. Desde logo, em várias manifestações na escola, e, depois, na sociedade, da política à economia, manifestações que cada vez são mais impressionantes. 
A solidariedade, o seu sentimento e necessidade, a felicidade, seguramente, só podem assentar nos grandes valores e nas manifestações mais elevadas da cultura, do conhecimento, da religião, do altruísmo, da generosidade humanos. Valores, conhecimento e cultura que, pelo contrário, foram desvalorizados, durante todos estes anos, por esta escola, dita moderna, mas posmoderna, das «ciências» da educação. 
Escola dos «chavões» da «aula como continuação do recreio», do «aprender a aprender», do «aprender sem esforço», das avaliações a fingir, cujos resultados, mesmo assim, esconderam ao País enquanto os deixámos; do «ensino centrado no aluno», que, como demonstrámos, não queria dizer «ao serviço do aluno», como devia querer ser, mas sim «o ensino definido pelo aluno», imagine-se». Escola marcada (até David Justino e José Sócrates, registe-se) pela estigmatização do ensino técnico, escola da grande mentira da «inclusão» - como pode ser isso apregoado, quando se foi vendo logo que as crianças mais desfavorecidas fugiam cada vez mais dela? 
Aqueles que, durante todos estes anos, ignorando a prova da realidade, teorizaram e impuseram o ensino que temos tido - um ensino que expulsou ou foi desvalorizando a memória, a história, a grande literatura e com ela o ensino da língua e a expressão do pensamento, a filosofia, o conhecimento que conta; um ensino sem exames, sem exigência, sem emulação, sem a valorização do mérito, sem regras; um ensino permissivo, com os jovens abandonados ao «instinto reptiliano», e mesmo, nalgumas situações, encorajados a manifestá-lo - um ensino que, diziam, e continuam a dizer, tornaria os portugueses mais tolerantes, solidários, participativos e cooperantes, criativos e empreendedores, mentiram ou falharam. Aconteceu o contrário. Não tornou os Portugueses mais informados, nem mais cultos, como imediatamente se podia ter percebido, mas também não os tornou mais generosos e solidários. O verdadeiro, interiorizado, reflectido conhecimento é gerador de solidariedade, a ignorância é sua inimiga. E quanto mais anos neste ensino, pior. Mais instruídos? Mais solidários e empenhados no bem social? Não. Apenas com mais anos na escola errada. Como este estudo da Universidade Católica parece ter já podido verificar. Essa ideologia e essa prática "educativa" roubaram as crianças, deixaram que perdessem os valores tradicionais que transportavam, e que fossem substituídos por uma espécie de lei da selva, que chegou até, de algum modo, a ser valorizada. Violência que tem a expressão mais imediata e vísivel nas agressões aos professores e entre os alunos, e o seu espaço natural na anomia anti-educativa dos hiperestabelecimentos escolares. Violência que cresceu sempre, em número e em grau. 
E mesmo que se actuasse já no ensino, num grande movimento nacional que tudo, infelizmente, indica parecer impossível - e ainda que resultados dessa boa mudança logo se manifestassem no ambiente das escolas e no aproveitamento dos alunos, como tenho dito - a alteração do perfil médio dominante dos portugueses que o tal estudo da Universidade Católica revela só no longo prazo, como se compreende, se verificaria. E Portugal, entretanto, como se tem visto, irá pagando a factura. 
Há de resto muitos outros indicadores desta realidade. Por exemplo, no domínio, determinante, da leitura. A escritora Alice Vieira referiu que há dez anos ia às escolas apresentar e discutir os seus livros com miúdos de 12 anos. Hoje vai à escola apresentar e discutir os mesmos livros... com jovens do 12.º ano! 
E é urgente divulgar e pensar uma situação terrível que terá consequências dramáticas para o País: os grandes livros que veiculam o conhecimento universal estão já a deixar de ser publicados em português. Por falta de leitores. De um número mínimo de leitores que viabilize os custos da sua edição. 
O que o estudo da Universidade Católica - que é também, curiosamente, uma tese de doutoramento em «ciências» da educação - parece provar é, pois, infelizmente, o que eu sempre disse, e que não era, aliás, difícil de prever. 
"Tudo é igual a tudo" é, afinal, a expressão pós moderna que melhor traduz a ideologia e a pedagogia que também à nossa escola foram impostas durante todos estes anos de devastação. O resultado aí está, documentado agora por um estudo que parece ser insuspeito e merecer, por esta primeira notícia, credibilidade. Mas não era preciso estudo nenhum para o provar, bastaria pensar e, depois, olhar. 
Claro que [há] certamente gente boa e muito boa, como sempre houve e haverá. Tendo havido também bons professores que conseguiram resistir, como sempre aconteceu no passado, há também bons alunos que sobreviveram ao sistema. Instruídos e bem formados… fora da "escola". Como pode falar-se nas «gerações mais qualificadas que Portugal teve»… 
Mas mudar está ao nosso alcance, depende apenas da nossa vontade. O que é preciso primeiro [é] quer[er] ver e assumir a verdade. 
"DN" Fev 14

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5 Comments:

Blogger Agostinho said...

Blablablá,"Instruídos e bem formados...fora da escola", blablablá.

10 de fevereiro de 2014 às 09:33  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

RE (de GV):

"Quis dizer, da escola do eduquês, porque, como referi, há professores que resistiram e contrariaram essa escola, e alunos que a puderam compensar em casa.

Muito obrigado por me obrigar a tornar a minha ideia clara."

10 de fevereiro de 2014 às 15:08  
Blogger José Batista said...

Posso confirmar que conheci vários bons alunos (na realidade muito bons) que foram grandemente instruídos e bem formados fora da escola:
- pelos pais, família e amigos que lhes incutiram o hábito da (boa...) leitura, entre outros bons hábitos;
- por institutos de línguas onde aprenderam a dominar o inglês na perfeição, que hoje lhes permite estudar ou trabalhar em universidades de topo em cidades como Londres, Paris ou Munique, para citar apenas algumas da Europa;
- por professores explicadores de matemática e de física, pagos por fora, claro, quando a escola não ia tão longe (por não poder...) quanto esses alunos podiam ir...;
- por professores carolas desses alunos (na escola pública), que os acompanharam em olimpíadas nacionais e internacionais de física e matemática, em que conquistaram medalhas, sendo que esses professores não ganharam nada por isso, nem sequer o reconhecimento do ministério da educação;
- etc...

Nem falo do que um dia li, creio que de Vasco Pulido Valente, referindo que a escola não educava nem formava ninguém e ainda se corria o risco de deseducar aqueles alunos que as famílias se esforçavam por bem educar.
Já Medina Carreira era mais lacónico e classificava a escola portuguesa como uma "bandalheira".

Isto dito, acrescento apenas que sou professor da escola pública (em regime de inteira e completa exclusividade, por vontade assumida e declarada, desde que, há muito, iniciei a profissão), que muito prezo e a cuja destruição assisto com revolta e pesar.
E essa destruição já vem de há muito. Criou-lhe o campo propício, vulgo sepultura, o horroroso "eduquês" quando sobre e dentro dela se disseminou como uma praga.
Os efeitos são avassaladores e não há barrelas que os disfarcem nem nevoeiro que os esconda.
Basta olhar. E ver. E pensar um bocadinho.

10 de fevereiro de 2014 às 22:18  
Blogger Agostinho said...

Dr. José Batista,
o seu comentário parece-me conciliador e sensato. O extremar de opiniões, o entrincheiramento de posições,dão os resultados que estão à vista, não só na educação.
Ninguém é detentor do santo graal. Seria bom que os decisores detentores do poder num dado momento considerassem o trabalho dos seus antecessores. Em Portugal deita-se tudo pela janela fora. Até o mobiliário!
Os apóstolos das seitas fundamentam-se nas decisões, demasiadas vezes, num princípio fatal: o ter razão porque sim.

12 de fevereiro de 2014 às 11:04  
Blogger José Batista said...

Caro Agostinho,

O comentário que fiz é um comentário sofrido sobre uma realidade que (me) dói (particularmente). Realidade que é pintada de muitas cores, quase sempre diferentes daquilo que é sentido por quem a vive dia a dia, e que muitos sabem não estar ao serviço de todos, prejudicando mais os mais pobres.
Disso posso dar testemunho.
Obrigado por ter lido e comentado o que escrevi. Se houver próxima pedia-lhe apenas o favor de não me tratar por doutor, já que sou e me sinto apenas um humilde professor do ensino secundário, grato por poder trabalhar com jovens alunos e por ter tido (e continuar a ter) extaordinários professores (alguns dos quais ainda agora me auxiliam e me dão o exemplo). Isto tudo para lhe dizer que ponho todo o empenho em honrar uma profissão que anda (há muito tempo) muito maltratada.

JB

12 de fevereiro de 2014 às 21:35  

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