19.2.14

Ah, grande Natália!

Por A. M. Galopim de Carvalho
Anda a circular na net um texto intitulado “As premonições de Natália”. 
Estou muito longe de ter lido a obra de Natália Correia, extraordinária e saudosa portuguesa, mas o pouco que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o privilégio de conviver nos últimos tempos da sua vida, era eu um profissional, a tempo inteiro, de uma ciência demasiado terra-a-terra, em busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos como ela, por modelo. Prenderam-me a ela a intransigência com que defendia a liberdade, a solidariedade e a justiça, o desassombro que usou na palavra falada e escrita, a força e a energia, características que sempre igualei às do igualmente saudoso Ary dos Santos. Natália leu os meus primeiros escritos, que arrumou num estilo que designou por etnologia ficcional, expressão que eu nunca imaginara e que me surpreendeu pela exactidão da análise. Com efeito, ao fim de três décadas a observar e descrever, no rigor exigido no discurso científico, rochas, minerais, fósseis, e um sem número de acontecimentos e de ambientes do passado, eu procurava, nessa nova fase da minha vida, descrever pessoas, ofícios, ambientes e modos de vida que vivi ou presenciei e que guardei quase intactos em recantos da memória. Queria, sobretudo, fazê-lo ao sabor de uma certa intencionalidade poética. Para tal, eu tinha que dar um primeiro passo e Natália deu-me o empurrão necessário. 
Feita esta apresentação da minha relação com esta açoriana, apraz-me transcrever, pelo que têm de realismo, algumas premonições que acredito, mas não posso confirmar, serem dela:
"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista". 
"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente". "Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".
"Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?" 
"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir".
Ah, grande Natália!

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2 Comments:

Blogger CM said...

Este comentário foi removido pelo autor.

21 de fevereiro de 2014 às 20:35  
Blogger CM said...

Há-de convir que NC se enganou totalmente: de facto, não se vê em que é que a "Europa" nos explorou. Pelo contrário, entraram, durante anos a fio, centenas de milhões de contos a fundo perdido.
E antes de estarmos na "Europa" já íamos com duas bancarrotas.

21 de fevereiro de 2014 às 20:37  

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