15.1.14

O congresso do eu

Por Baptista-Bastos
De repente tive a singular sensação de que estava num subúrbio de Pyongyang. O terreno, um pouco desolado, dava poiso a um imenso pavilhão, de onde saíam vozes, aplausos e gritos estridentes. No interior, o espaço estava organizado em função do que se pretendia ser magno acontecimento. Um palco dividido em patamares; em cada patamar sentava-se a importância de cada um e dos grupos de cada um; em baixo, os prosélitos. Tal como nas reuniões do Comité Central do Partido Comunista da Coreia do Norte. E, tal como Kim Jong-Un, o chefe distribuíra, a seu bel-prazer, os cargos e as funções, consoante as simpatias e as intimidades. Um dos escolhidos abraçou-o com grata emoção e indizível ternura. Foi um instante tão comovente que o chefe não ocultou uma furtiva lágrima e um estremecimento de amorosa simpatia.
Paulo Portas, tal Kim Jong-Un, passeou o olhar soberbo e altaneiro pelos circunstantes, tratou, com displicente desdém, Filipe Anacoreta Correia, que ousara opor-se-lhe, e aquele olhar eram balas de um fuzilamento que, por ser metafórico, não deixou de causar arrepios de terror. Quase de seguida disse: se Luís Nobre Guedes o desejar, pode sentar-se num dos lugares do Conselho Nacional. O nomeado (a quem o Marcelo chama, apenas, Luís Guedes, porque diz que Nobre é um apêndice postiço, uma espécie de pseudónimo inseguro) aparecera em Oliveira do Bairro como um círio fúnebre, desamparado e trágico. Fora, há anos, da convivência de Portas, amigos de peito e de fadário, mas uma zanga tão absurda como fatal lançara Guedes no infortúnio do ostracismo. Nunca se ressarciu do imenso desgosto, e pensa-se que o seu reaparecimento em Oliveira do Bairro se deve a um pedido de misericórdia. Tristíssimo, solitário apareceu no conclave quase com o baraço ao pescoço, até que ouviu o indulto de Portas.
Se Nobre Guedes pareceu um fantasma, movendo-se com as cautelas de um neófito, temendo as iras do chefe, Paulo Portas não está melhor. Gordo, cheio de rugas, falsa desenvoltura no andar, penteado à escova calvície mal dissimulada, o homem despencou-se, a seguir, nos discursos atrapalhados, sem o brilho de outrora, nem a firmeza costumeira do adjectivo e da sinédoque.
A "explicação" pretendida acerca da famosa "decisão irrevogável" não apagou a falta de carácter que o dito pelo não dito divulgara à puridade. Portas é o que é: o Portas que há, o Portas que se arranja.
O episódio com Filipe Anacoreta Correia, ao que me dizem pessoa estimável, é denunciador das características totalitárias de um homem que apenas deseja o poder, e não desdenha a prática da insídia e da sacanice. Na lista das perfídias estão, entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa e Manuel Monteiro.
A desdenhosa complacência com que aceitou o pedido de indulto do pobre Luís Nobre Guedes só não tem a marca de Kim Jong-Un porque este manda logo executar quem o contradiga, e Portas apenas o envia para o purgatório do esquecimento. A reunião do CDS-PP foi isto e nada mais.
«DN» de 15 Jan 14

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Portas, indómito libertdor, apregoa agora que está prestes um novo 1640!

Resistindo como tem resistido, com fôlego e astúcia, vamos ver como (lhe) reagem os portugueses em próximas eleições.

Ou será que, antes disso, vai ocupar um alto cargo, lá no olimpo dos deuses que tem servido?

Até agora, os grandes afundadores do país, deste e de governos anteriores, têm-se saído muito bem, em matéria de proveito pessoal. Já o povo...
Mas, que vale o povo?

15 de janeiro de 2014 às 22:47  

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