10.11.13

A Decadência da França



Por Maria Filomena Mónica
TENHO uma amiga, cuja tia, através de umas velinhas eternamente acesas, é capaz de antever o fim do mundo. Há quinze dias, avisou-me de que o Apocalipse estava a chegar. Só depois percebi que se tratava do Orçamento de Estado para 2014, mas, por confiar nela, meti-me no primeiro avião que poisou na Portela. Aterrei em Paris, uma cidade onde há muitos anos não ia. Durante a anterior estadia tudo correra mal, com relevo para o estabelecimento, o Grand Hotel Taranne, que uns amigos francófilos me tinham indicado. O suposto hotel de charme, situado defronte do Café Flore, era uma pocilga asfixiante de onde fugi após a primeira noite.

Com a força que a raiva produz, bati à porta de todos os hotéis do bairro, tentando encontrar algum que dispusesse de ar condicionado. Foi assim que descobri o Hotel Madison, uma ilha de conforto. Eis a razão que me levou a, mais uma vez, o escolher. Quando entrei, notei que tinha sido renovado, mas o que realmente me espantou foi o desaparecimento do bidet. Depois de ter sido obrigada durante anos a aturar as risotas de colegas anglo-saxónicos sempre que se falava deste objecto, eis que a França, o país que o inventou, decidiu mandá-lo para o caixote de lixo.

O bidet apareceu no final do século XVII em França. Há quem diga que o seu inventor foi Christophe Des Rosiers, um marceneiro fornecedor da família real, mas nem isso se sabe. Mas pode-se afirmar, com um elevado grau de certeza que, devido à melhoria das canalizações, passou a ocupar um lugar especial nas casas de banhos dos ricos. Durante o século XX, os países latinos, com destaque para Portugal, adoptaram o objecto, sendo possível encontrá-lo em países tão distantes quanto a América Latina e o Médio Oriente. Reina, neles, um desejo de limpeza, que não se detecta em locais como a China, onde, segundo me contaram, o cheiro é pestilencial. Há ainda o caso dos EUA, que possui os melhores duches do mundo – um aparelho que a Inglaterra continua a desprezar – mas que só agora tem vindo a adoptar o bidet. Em suma, enquanto o objecto atravessa os oceanos, a França opta por dar cabo dele.

Já agora, vale a pena mencionar os disparates que, em matéria de casas de banho hoteleiras, grassa por todo o mundo. Há cerca de dez anos, fiquei numa pousada em Vila do Conde, onde sem instruções especiais, era impossível tomar um duche. Há dois, alojei-me, em Madrid, num hotel da Calle Serrano que, em vez de banheira, dispunha de uma espécie de cabine telefónica, onde existia um tubo, parecido com uma esferográfica, de onde a água saía a temperaturas imprevisíveis. No ano passado, fiquei num hotel de luxo em Barcelona, onde me era oferecido um tanque à romana, sem cortina a separá-lo, pelo que sempre que lá me metia, o quarto ficava inundado.

Os hotéis deram em brincar às modernices. Seja como for, o bidet tem de voltar a ocupar o lugar nobre que, ao longo dos séculos, manteve na tradição gaulesa. Pelo menos, até ao verdadeiro Apocalipse, aquele que ditará que a minha reforma será de dez euros e cinco cêntimos.
«Expresso» de 12 Out 13

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