21.7.13

O pecado sem perdão

Por Ferreira Fernandes
NÓS TRADUZIMOS o romance To Kill a Mockingbird como Por Favor, não Matem a Cotovia e não está na diferença do To Kill, matar, para o Por Favor, não Matem a maior dificuldade do título. O problema, mesmo, foi chamar cotovia a um mockingbird. A nossa cotovia europeia também canta ao raiar do dia, mas um mockingbird não é uma cotovia, é um pássaro americano para o qual não temos nome. A americana Harper Lee escreveu o livro em 1960 e a América vivia anos decisivos do fim legal do racismo. Ela escreveu um livro sobre uma vilória do Sul onde um negro, falsamente acusado de violação duma branca, é julgado. O negro será defendido por Atticus Finch, advogado branco e honesto, o pai da narradora. No começo do livro, Atticus oferece aos filhos uma espingarda de pressão de ar, e diz: "Podem matar todos os gaios, mas não um mockingbird." Porque um mockingbird vive só do canto e é o símbolo da inocência. A perda da inocência é o pecado sem perdão. O livro teve um sucesso extraordinário e Harper Lee esgotou-se no seu belo e único romance. Mas, periodicamente, a América reaparece-nos com os seus crimes raciais que não entendemos. Como esse da Florida, de um jovem negro morto e o seu assassino perdoado pelo tribunal. Os americanos podem dizer que não os entendemos porque não temos mockingbirds. Seja, mas desta vez o crime racial que não entendemos não é o cometido pelo tipo que deu o tiro, é o de o júri a inocentar um assassínio. 
«DN» de 21 Jul 13

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