19.7.12

Varridos pela História

Por Ferreira Fernandes
EM 1989, eu estava em Tsumeb, uma vila do Norte da Namíbia, país à beira da independência, à beira da dúvida plena para o homem branco que me perguntou se podia sentar-se à minha mesa. Se o melhor da Namíbia são os seus desertos, Tsumeb servia de oásis: o nosso hotel tinha uma varanda interior cercando o andar único e dando para um jardim de buganvílias. 
Não houve diálogo mas eu adivinhava a origem inglesa do homem pela pronúncia da pergunta inicial e pelos calções e meias até aos joelhos, um branco daquela África. Depois de muito silêncio, ele perguntou de onde eu era. "Lá de cima, de Angola", respondi. Ele fez que sim com a cabeça e disse: "Então, você já sabe." 
Dez anos depois, em 1999, eu estava no Kosovo, em vésperas da independência. Os jardins do mosteiro ortodoxo de Decani estavam cheios de refugiados sérvios. Dos grupos que tentavam contactar as quintas assaltadas, por vezes saltava um grito de mulher, desesperada pelo silêncio que respondia aos apelos da rádio. Um sérvio grande agarrou-me para um pedido: que eu fosse a Pec, cidade vizinha, ao apartamento tal, para saber do irmão, acamado, que ele abandonara na fuga. 
Hoje, 2012, não estou na Síria. Se lá estivesse, saberia ver, claro, a razão dos revoltados. Mas também não deixaria de deitar um olhar para os alauitas, a minoria a que pertence o atual poder e que vai ser varrida pelos ventos da História. 
A demografia é uma arma poderosa e pouco generosa. 
«DN» de 19 Jul 12

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