22.5.12

Os globos de trapo

Por Pedro Barroso
QUE TENHO a ver com tamanha enormidade de pífia imitação de riqueza? 
Que temos que ver com a fortuna esbanjada em vestidos e smokings perfumados, provavelmente emprestados, alugados, trocados por favores, proclamadores de griffe?
Quantos destes tecidos são apenas anúncio sem jeito de uma fama que brilha factuamente por uma noite na constelação de estrelas sem norte, numa sociedade sem azimutes?
Que me importa que se badalem e estimem, que se proclamem e exibam, que se flagelem de prendas e elogios, que levantem prémios designados por quem sabe o segredo maior de todas as coisas, última porta ao lado das entradas de cavalo, favor de todos os lóbis, concentração pouco plural de pesadelos e serviços?
Que linda e fútil é a nossa sociedade, construída com fundamento na moda, no mostra hoje que amanhã não sabemos, e na post modernice mais larvar e imbecil da criação?
Que artistas tao geniais recebem tantos elogios, sempre os mesmos? Sao estes os caminhos da cultura deste país?
Que gente é esta, vestida de boa, esmoleres criaturas ignorando a crise e o desemprego, ignorando os próprios sem abrigo que mais logo à noite, na mesma rua do Coliseu, farão de uma caixa de cartão apartamento e da raiva loucura e do sonho bebedeira, para esquecer e não lembrar a vida perdida?
Quantos são afinal os que mandam nesta fantochada requentada e triste? Quem acredita que aqueles sejam mesmo os maiores do ano, da vida, da década ou do Mundo que dê o primeiro passo. 
Ali nunca premiariam nem Gil Vicente, nem Luiz Pacheco; nem Zeca, nem Adriano; nem Damião de Gois nem o pobre Luiz Vaz. Nem Jorge de Sena nem Vergilio Ferreira. Provavelmente, arrisco de propósito - para acusação maior de hipocrisia total – se calhar ali nunca venceria em vida Bernardo Sassetti.
Ali vive-se a aurea mediocritas do que temos. E tenta ocultar-se a pobreza por um dia, como se o país fosse a TV e o sucesso uma pilha de favores encadeados sob a forma de um êxito vago e sem memória. Algumas editoras escolhem entre elas e distribuem o grupo do ano. Poucas. Para o ano a coisa roda e seremos todos felizes. 
Oh senhores! Querem a canção do século? A A Pedra Filosofal, talvez. A coragem do século? Humberto Delgado, talvez Salgueiro Maia. O letrista do século? Ary! 
Esses sim; esses são os meus maiores. 
Esses serão para sempre os Globos de ouro de uma outra Gala, de um outro país que não é aquele que ali, só muito supostamente, está presente.

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