23.5.12

Não é tempestade num copo de água

Por Ferreira Fernandes
É ACONTECIMENTO da semana passada mas tenho de voltar ao copo de água da torneira a 50 cêntimos num snack bar algarvio. O problema é que já não se fala dele. No entanto, ele é-nos estrutural, revela mais e conta-nos melhor, por exemplo, que a absurda história do superespião. Quando apareceu a notícia - um bar, numa praia de Faro, faz-se pagar pelos copos de água da torneira -, os jornalistas embicaram para uma das duas autoridades a que geralmente apelam quando precisam de explicar um acontecimento. Não foram ao psicólogo, foram ao doutor de leis. Falaram para a ASAE, que os sossegou, a lei não interdita que um copo de água da torneira seja cobrado. Pronto, torneira fechada sobre o assunto. 
Mas há notícias em que não importa a lei. Porque o problema não é multar nem prender o tendeiro. O problema é que, em plena crise nacional arrasadora, haja comerciantes - gente que troca, que dá e recebe, e que vive disso - a decidir serem misantropos e agir como a velha do 7.º que passa por mim e não me cumprimenta porque não precisa de mim. 
Essa era notícia para ser explorada, comparada, instigadora de porquês e de prováveis soluções. Porque não é uma tempestade num copo de água, é mesmo uma tempestade denunciadora da nossa impotência. O comerciante em causa disse que já outros fazem o mesmo. Era necessário confirmar, porque se os há, concedo, desta vez, que precisamos mesmo de psicólogos para nos explicar a vaga de estupidez. 
«DN» de 23 Mai 12

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