25.1.12

A camisa de onze varas

Por Baptista-Bastos

O ENREDO causado pela assinatura tripartida do "acordo" de concertação social não se desembrulha, e as suas previsíveis consequências pairam no horizonte das nossas preocupações. É um documento nefasto, di-lo a maioria dos analistas. A decepção causada por João Proença está a dar origem a uma insatisfação permanente. E pode ele procurar justificações, em depoimentos tão absurdos como pueris, que as pessoas, os trabalhadores em geral, não querem ser assim governados, e muito menos por "eles."

A pergunta será: que pode levar um homem como Proença (independentemente de evasivas e ambiguidades passadas) a apor o nome num texto de natureza tão disforme e tão cáustica para o mundo do trabalho? Mudou de carril e aceitou a impulsão dominante, reduzindo-se a um dispositivo formal do poder do momento? Tudo leva a crer que sim, até pela simulação triste com que pretende suavizar a violência do documento.

O grande vencedor desta miséria é António Saraiva, cuja alegria coalhada parece indiferente à ruptura dos laços sociais, agora lacrada, como se de jubiloso acontecimento se tratasse, o que não passa de um acto aziago e vicioso. Saraiva, outrora operário aguerrido, mudou de causa e de bandeira, há muito, atraído pelo sortilégio do "mercado." A velha definição proposta por Camões aplica-se-lhe por inteiro.

O imbróglio não fechou. Proença afirma e reafirma que foi sugestionado por altos dirigentes "não socialistas" da CGTP a dar o nihil obstat ao "acordo". Quem são eles? Proença queda-se num mutismo intransponível. E Carvalho da Silva chama-o de "mentiroso", defendendo, no entanto, a manutenção de relações com a UGT. Se a literatura é o adjectivo, assim proclamava Azorín, a política é a metáfora como dissimulação, desejando ser um prolongamento de ideias. Entende-se a insistência de Carvalho da Silva: sempre defendeu a unidade entre contrários como meio fundamental da luta dos trabalhadores. Quem mente e quem fala verdade? Este antagonismo de afirmações tem de ser esclarecido, não como causalidade circular, sim como necessidade de clarificação moral. E qual o papel desempenhado pelo dr. Cavaco nesta indignidade?

Será Proença "sugestionável", com tantos anos de obstinadas convicções e astutas sabedorias? E "altos dirigentes" da CGTP serão capazes de uma contraconduta eticamente repugnante? As escolhas estão feitas, desde há muitos anos. Os ressentimentos, que deveriam estar apaziguados, regressam, ainda mais assanhados e vivos.

Uma questão final se nos intenta: o "acordo" impõe uma servidão (é este o termo apropriado) brutal; mas a sua própria índole, extremamente repressiva, poderá causar reacções, porventura inorgânicas. O patronato e o desconsolado Governo de Passos Coelho ganharam, por agora; mas enfiaram--se numa camisa de onze varas.
«DN» de 25 Jan 12

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1 Comments:

Blogger Nuno Trato said...

Em resumo, é esta a miséria dos políticos e sindicalistas que temos.

25 de janeiro de 2012 às 12:18  

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