26.7.11

O Outono da Europa

Por Maria Filomena Mónica

NO PRECISO momento em que escrevo, os líderes dos dezassete países da zona euro estão reunidos, em Bruxelas, com o objectivo de tentar evitar o contágio da crise da dívida grega às economias da periferia europeia. Enquanto chefe da maior economia, Angela Merkel é a chave da resposta. As críticas relativamente à sua actuação não se têm limitado a vir de fora. Helmut Kohl, o pai da Alemanha unificada, o responsável pela moeda única e o seu padrinho na ascensão ao poder, declarou há dias: «Ela está a destruir a minha Europa». Uma coisa parece certa: em 2025, a Europa terá deixado de ser o centro do mundo. As maiores economias serão os EUA, a China e a Índia.

Não admira que andemos desnorteados. Mesmo em Inglaterra, um país robusto e com moeda própria, as crises - a industrial, a agrícola, a dos serviços – se acumulam. Em todos os outros, se encontram lesões, agravadas por idiossincrasias locais. Compacta, a Alemanha surge como uma torre de força, mas os que dela estão perto, sabem quanto é quebradiça. Na sua eterna aspiração à unidade, a França continua à procura do homem providencial. Em Portugal, sob a azulada doçura deste céu incomparável, sofremos de todas enfermidades. Uma contudo partilhamos com a Grécia: enquanto, nas outras naus, se luta contra a tormenta, na nossa, tagarela-se.

Adivinharam: estas ideias foram retiradas de um artigo que, em 1888, Eça de Queirós publicou em o Repórter, o jornal dirigido pelo seu amigo Oliveira Martins. A crise levou-me à sua releitura. Notei então que Eça não se fica pelo lamento, argumentando que a situação da Europa nunca deixara de ser medonha: «Foi-o, durante todo o século XVIII, através de mais indiferença e de uma maior doçura de vida. Tem-no sido em todos os séculos desde que os Árias aqui chegaram, cantando os Vedas e empurrando os seus rebanhos para oeste». Na sua opinião, raro teria sido o momento em que, olhando à volta, o europeu não havia julgado ver a máquina política a desconjuntar-se.

Os males a que estava a assistir mais não seriam do que a natural depressão de Dezembro, de onde surgiria uma mais rica «vegetação de liberdades e de noções». E assim se retomaria o ciclo orgânico da História. As novas sociedades enfrentariam outras dificuldades. Vozes sombrias de novo afirmariam, em línguas ainda não faladas, que tudo se estava a desconjuntar, mas quando a Primavera regressasse, a Humanidade teria dado outro passo no caminho da justiça e do saber: «E assim, aos tombos e aos socos, ora destroçado, ora reflorido, o Mundo avança irresistivelmente». Eça nasceu num tempo em que a Inglaterra ainda dominava o mundo, o que conferia alguma serenidade aos europeus. Mesmo um intelectual tão céptico quanto ele podia dar-se ao luxo de antever o futuro com um sorriso. Hoje, tudo mudou. Não preciso de lições de Economia, para saber que não é já possível acreditar nas Quatro Estações da História.

«Expresso» de 23 Jul 11

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1 Comments:

Blogger Bartolomeu said...

«NO PRECISO momento em que escrevo, os líderes dos dezassete países da zona euro estão reunidos, em Bruxelas, com o objectivo de tentar evitar o contágio da crise da dívida grega às economias da periferia europeia.»
Esta ideia é a que nos "vendem" os senhores da política internacional, via orgãos de comunicação. Mas não passa de uma fantasia com a finalidade de manter calmos e esperançados os cidadãos dos países. Na realidade, o poder financeiro que controla o poder político, não tem a menor intenção que qualquer contágio seja evitado. Se essa situação pudesse vir a suceder, ia-se-lhes o negócio por água-abaixo.
Portanto, quanto maior for o contágio, maiores serão os juros dos empréstimos com que os países afectados sobreviverão, e maior será o lucro que os gigantes financeiros obeterão.
E, nem sequer podemos contar com a força dos políticos que governam os países e aue governam a União Europeia, porque eles estão totalmente manietados pelo poder financeiro. Daí, Barack Obama, ter vindo exortar o povo americano a exercer pressão sobre o senado, por forma a que tome medidas globais e nacionalistas de protecção à economia.
Só não sei é como é que vão acabar com o vício instalado de emitir moeda a contento, e pagar com ela as importações... segredos de uma economia... "florescente"?! Talvez...!

26 de julho de 2011 às 10:22  

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