31.3.11

Garoa, morrinha, cacimbo, chuvisco

Por Ferreira Fernandes

EM DUAS crónicas seguidas lembrei que a vinda de Lula e Dilma era muito mais do que um "empresta um dinheirinho aí". Portugal e Brasil é assunto tão íntimo que nunca desperdiço uma ocasião de falar dele, por mais que haja portugueses e brasileiros a tresler.
Ontem, um comentário de um leitor brasileiro atirava-me à cara a língua que se fala no Brasil, e que segundo ele não era o português, mas a língua do "popular poeta brasileiro Adoniran Barbosa, transmitida de forma oral, nas fábricas, sindicatos e botecos onde se reúnem os rústicos produtores, [e que] desconhece os calhamaços chatíssimos do poeta medieval português Camões".
Deixando o resto de lado, quem lhe disse que a minha língua não é a de Adoniran? Quando o sambista escreveu "Não posso ficar/ Nem mais um minuto com você/ Sinto muito amor/ Mas não pode ser...", eu apanhei esse Trem das Onze logo nas vozes iniciais dos paulistas, como Adoniran, Demónios da Garoa, em 1963 ou 64. E pouco depois apanhei-o nas vozes dos angolanos, como eu, Duo Ouro Negro.
Essa língua de Adoniran que diz "um palacete assombradado" (no samba Saudosa Maloca), essa língua que fala com humor e alegria, muitos falantes de português, embora não pronunciando "dispois que nóis vai, dispois que nóis vorta", herdaram-lhe o essencial. Adoniran não só fala português, mas fala do melhor português. Ele é dos que fizeram com que o Brasil não ficasse no seu cantinho pequeno.
«DN» de 31 Mar 11

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1 Comments:

Blogger impensado said...

Não haja dúvidas quanto à língua ser deles. Por uns réis de mel coado (meia dúzia de seminários em universidades brasileiras, alguns convites a profesores daqui para uns meses a leccionar, umas menções nas bibliografias obrigatórias e a inestimável ajuda da vaidade e da iliteracis de aquém e além mares) e o português oitocentista do Viana foi imposto a Portugal, apresentado como evolução «natural» da língua, no que aqui é um embate cultural de uma violência sem nome, e que no Brasil, julgam eles, será uma das fechaduras que lhes abrirá a primeira porta do ambicionado lugar no conselho de segurança que pedincham há dezenas de anos. De resto, vi um estrangeiro (com algumas declarações registadas de inegável teor racista) a intrometer-se nos assuntos internos de um país que visita e uma presidenta (será medieval, como Camões?) a dizer que compras de dívidas só com garantias reais, no que me pareceu, aliás, a única manifestação de sensatez de toda a alucinada visita.

2 de abril de 2011 às 19:59  

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