20.3.10

O que é que 'eles' andam a esconder?

Por Ferreira Fernandes

ONTEM, NO COMBOIO para Coimbra, fiz um escabeche do gosto da maioria do povo português (se a opinião nos cafés, caixas de comentários de jornais e cidadãos que esperam a vez na barbearia representam essa maioria).
Comboio Alfa, no lugar frente ao meu, sozinho, ia um deputado, cara que topo dos telejornais, usando o seu computador. Eu, que não tinha livro nem sono, levantei-me e fui sentar-me ao lado do deputado. Sou um cidadão que conhece os seus direitos e inclinei o pescoço para melhor ver o que estava no ecrã. O deputado lia um jornal pela Internet. Ele pareceu-me incomodado e virou o computador para a janela. Isso só espicaçou mais a minha cidadania, e disse-lhe: "Assim não vejo bem...", enquanto lhe encostava o ombro ao peito e estendia mais o pescoço. Ao mesmo tempo, sussurrei-lhe: "Artigo 16, ponto 6", para lhe fazer saber que conheço o Estatuto dos Deputados e quem lhe paga as telecomunicações (eu). E não é que o homem se insurgiu?!
Estou nos 60 e já me fazem levantar mais facilmente do lugar que não é o meu, mas não me calei. Denunciei alto e bom som o eleito que não deixa o povo (eu, para o caso) ter acesso ao nosso (de um deputado, o que é o mesmo) computador. A carruagem aplaudiu-me. O presidente Jaime Gama tem base social de apoio.
«DN» de 20 Mar 10
NOTA (CMR): Acrescentei a imagem.

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13 Comments:

Blogger Mg said...

Essa, pagava para ver!!! :D

20 de março de 2010 às 18:54  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Este texto de F.F. vem a propósito do incidente ocorrido na A. República, onde todos os deputados têm computador.
Ora, estando os écrãs visíveis, não é preciso ter grandes tele-objectivas para se ver, de longe, o que cada um está a fazer no referido aparelho.

E foi isso que aconteceu, motivando protestos de alguns deputados (julgo que José Lello e outros do PS). Jaime Gama não lhes deu razão, e eles fecharam as tampas dos portáteis ruidosamente, em sinal de protesto.

Ora, nesta crónica, o autor compara a privacidade de um deputado em pleno Parlamento com a que teria numa viagem de comboio.

Como metáfora não me parece certeira, pois julgo que não são situações comparáveis.

O que acham?

20 de março de 2010 às 18:56  
Blogger Mg said...

Claro que são situações diferentes.

Uma coisa é eu estar em algum sitio, onde (por mero acaso, ou porque ninguém se terá lembrado ou importado), tenho visão e acesso facilitado ao ecrã de um qualquer computador.

Outra, é ter acesso a esse mesmo ecrã, mas via "Emplastro" (independentemente de ser eu a pagar, ou não, uma infima parte do aparelho e da ligação, via impostos).

Mas que continuava a pagar para ver (a cena, não o computador!), isso é certinho!

20 de março de 2010 às 19:07  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Ver., p. ex., em:

http://www.tvi24.iol.pt/noticia.html?id=1148595&div_id=4072&ler_comentario=1

«José Lello diz que parlamentares «não podem estar sujeitos ao voyeurismo». Jaime Gama recorda-lhe que aparelhos «não são pessoais, são de serviço público»

20 de março de 2010 às 19:13  
Blogger Mg said...

Confesso que pode ser um pouco incómodo estar a enviar um mail e ter de olhar por trás dos ombros para me certificar que ninguém o está a ler.

Por outro lado, se sou deputado e estou no Parlamento, no máximo dos máximos, e durante as sessões, posso vir a precisar de um ou outro dossier para confirmar uns dados. Nesse caso, pego no telefone e peço a alguém para mo trazer.
Mandar mail nessa situação? Não me parece...

Daí, se os senhores estão no Parlamento, parte-se do principio que estão a trabalhar: em prol do País, em prol da Nação (momento para o sorriso).

Assim, e em prol do País, em prol da Nação, os ditos computadores não devem, à partida, ter no ecrã nada que comprometa ou que possa incomodar os Srs. Doutores. Até porque matérias mais sensíveis, por norma, tratam-se no recato dos gabinetes e não á vista de toda a gente.

Assim sendo, e já que lhes ofereceram o computador para trabalhar, trabalhem e não reclamem.

Se não puderem, em determinado momento, trabalhar, e, pura e simplesmente não precisarem dos "Magalhães" então sim, fechem os ecras, com mais ou menos ruído, dependendo do estado de espirito.

A cena do comboio, essa sim, já seria mais caricata, e não sei bem até que ponto justificável. Mas que seria bonito de se ver, isso seria...

20 de março de 2010 às 19:24  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Claro que a cena do comboio é pura ficção. Faz parte do estilo de F.F., que recorre frequentemente a metáforas nas suas crónicas do «DN».

20 de março de 2010 às 19:29  
Blogger Bartolomeu said...

Bom. Nesse caso, uma vez que as despesas com água, papel higiénico, manutenção e iluminação das casas de banho do parlamento também são custeadas pelos impostos pagos pelos cidadãos... devemos exigir que a comunicação social tenha o direito de filmar aqueles espaços por forma a podermos avaliar o gasto do papel higiénico, da electricidade, da água e do tempo que cada deputado faz?!
Hmmmm...
Desepesas que a mim me interessam como cidadão e pagador de impostos, aquelas que considero relevantes, são as dos pópós e das viágens e do uso do tm e das almoçaradas e das ajudas de custo e das... outras, das reformas e das subvenções e dos prémios e de mais uma catrefada delas...

21 de março de 2010 às 09:29  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Vamos pôr a questão de outra forma:

Das galerias vêem-se os deputados, de cima. Quem tenha boa vista, consegue aperceber-se, até, do jornal que possam estar a ler.

Fotos de pormenor (como os "corninhos que o Pinho fez e inúmeras outras) são o dia-a-dia e o trabalho dos jornalistas que, se calhar, até têm acesso a posições mais vantajosas do que o público.

Como impedir que fotografem (ou apareçam nas imagens) os computadores que estão abertos?

-

NOTA: Acrescentei uma ilustração à crónica.

21 de março de 2010 às 09:51  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O comentário que acabei de escrever acaba por ser redundante face à foto que afixei, e que é uma de muitas que mostram a modernização do Parlamento (e não só).

Não tem nada a ver com opiniões (concordar ou não concordar) o facto de ser perfeitamente visível o que está nos monitores. Trata-se de - digamos - imagens "oficiais".

21 de março de 2010 às 10:48  
Blogger Manuel Brás said...

Discordo da forma (como fecharam os computadores) e da justificação do protesto:

Tanta falta de educação
desta gentalha deputada,
é um sinal da elevação
de natureza enquistada.

São gestos disparatados
de estupidez incontida,
fica mal aos deputados
essa mágoa tão sentida!

21 de março de 2010 às 11:50  
Blogger GMaciel said...

A tacanhice em todo o seu esplendor!!!

Quem vê os parlamentos alemão, inglês ou francês e não chora, tem um coração de pedra. Afinal, o nosso está a milhas de distância desses ditos países do primeiro mundo. Ele é intra e internet, telefones com linhas externa e interna, gabinetes de trabalho igualmente equipados... e tudo à nossa pala. Tanta modernidade dá gosto, caroço!

Entretanto, há localidades sem saneamento básico, outras há, recônditas, longe da vista, em que a luz e água canalizada ainda não chegaram... mas vamos ter o TGV e um aeroporto todo modernaço, e temos um parlamento recheado de sumidades com direito ao choque tecnológico mas sem Magalhães.

É... quem vê tudo isto e não chora, tem um coração de pedra!

21 de março de 2010 às 12:48  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Para mim, o mais espantoso (pela sua sobriedade) ainda é o inglês.

21 de março de 2010 às 12:59  
Blogger GMaciel said...

Concordo! Aquela sobriedade empresta-lhe o cunho de credibilidade. Olhamos e pensamos: aqui está um lugar pensado para trabalhar. (até rima)

:)

21 de março de 2010 às 13:38  

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