23.9.09

Contracena

Por João Paulo Guerra

Para se aproximar do povo, em relação ao qual nutre uma indisfarçável relutância, a classe política aderiu ao humor na presente campanha eleitoral, dando-se até ao trabalho de rir de si própria.

SISUDOS POLÍTICOS, que levam tudo a sério e para a desgraça, não se limitaram a participar num programa de televisão conduzido pelos humoristas do Gato Fedorento, como se deram ao cuidado de preparar a contracena. Isso foi particularmente evidente nas prestações de José Sócrates e Paulo Portas, os mais produzidos políticos da arena nacional. Sócrates levava engatilhada a cena do aviso dos filhos sobre o carácter travesso dos Gatos, que repetiu insistentemente até transformar a graçola numa estopada. Portas quis demonstrar que o Largo do Caldas pode ser um sítio equiparado às Produções Fictícias, o que só parcialmente poderá ser verdade mas para guiões e formatos que não são propriamente para rir.

A contracena obedece neste caso a tácticas de esperteza rústica: a melhor defesa é o ataque e antes que se riam de mim, rio-me eu com eles. E assim ninguém saiu vencido da conversa. Mas o que vai certamente motivar a reflexão da classe política é o facto da participação numa entrevista conduzida por um humorista dobrar as audiências em relação aos debates a dois dos líderes partidários. E a análise deste item é de particular delicadeza para o futuro da democracia portuguesa. Portugal corre o risco de a política, ou pelo menos a politiquice e uma parte do elenco politiqueiro, se assumirem como comédia de enganos, farsa da alegria, sitcom de quimeras, bambochata, chacota ou zombaria. Já faltou mais.

Em sentido contrário, o drama para muitos eleitores é que não há Gatos nas câmaras nem nos boletins de voto.

«DE» de 21 de Setembro de 2009

Etiquetas: ,