22.6.09

A trabalheira

Por Alice Vieira

JÁ DEVE SER para aí a terceira vez que a oiço dizer a mesma coisa, mas não entendo.
Longe de mim dar parte de fraca, a linguagem dos adolescentes muda todos os dias, eu já devia saber, e por isso continuo na conversa, e ela vai falando.

Ela, que ainda há tão pouco tempo se alimentava da “little Kitty”, e do “meu pequeno poney", e dos livros da Miffy - e agora troca de t-shirts comigo, e entra nos meus segredos e eu nos dela.
Ela que, num dia de crise (minha) me deu o sábio conselho de que “nenhum homem merece que se engorde por causa dele”.
Ela, em tantas coisas tão adulta, vai falando das amigas, da escola, do grupo de teatro, e da “seca” que foi ter de ler o Garrett.
Armo em avó pedagógica, lá saio em heróica defesa do Garrett, mas ela repete “uma seca” e, logo a seguir, a misteriosa palavra. Interjeição? Onomatopeia? Grunhido? (...)

Texto integral [aqui].

NOTA: a propósito de Garrett, será atribuído um exemplar de Frei Luís de Sousa ou de O Arco de Sant' Ana (*) ao autor do melhor comentário que seja feito a esta crónica até às 20h da próxima quinta-feira, dia 25.
(*) - ver capas [aqui].

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Actualização (26 Jun 09/11h00m): a autora decidiu premiar 'Dana_Treller' e 'Nunormg'. Neste momento, há 1 ex. de Frei Luís de Sousa e 2 ex. de O Arco de Sant' Ana. A partir deste momento, poderão escrever para sorumbatico@iol.pt dizendo qual dos livros preferem. No caso de ambos escolherem o Frei Luís de Sousa, ele será enviado a quem primeiro o indicar...

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5 Comments:

Blogger Táxi Pluvioso said...

Por mais gaiteiro/a que se queria ser, o tempo não perdoa... só que agora os velhos têm a ideia parva de que compreendem os novos.

Para além da idade cronológica, da idade mental, querem criar a idade espiritual (a idade que as pessoas pensam que têm). "Sou jovem de espírito", dizem, embrulhados em rugas, mas sobretudo enganando-se a si próprios.

23 de junho de 2009 às 06:27  
Blogger MTeresa said...

Quando se tenta a todo o custo facilitar a vida dos mais jovens para estes não terem muito trabalho, nem gastarem os neurónios julgo ser natural aparecer e enraizar-se esta atitude preguiçosa e de fazer o menos possível. Começa logo na família com os papás a fazerem tudo (ou quase tudo) pelos "meninos": ir matricular, ir buscar/levar à escola, fazer o pão com queijo e o suminho para o lanche.... entre outras actividades em que os pais substituem os filhos como se estes não tivessem mãozinhas e cabecinha para as fazerem. Depois esta atitude de fazer o menos possível continua na escola: os exames são muito fáceis/básicos que é para se mostrar aproveitamento (pelo menos aos olhos UE não temos quase reprovações, sabe-se lá o preço que num futuro não muito distante iremos pagar por andarmos a brincar ao ensino), trabalhos para casa ou não há ou quase não existem (que os "meninos" têm de descansar de um "árduo dia escolar" e têm de ter tempo para conviver). Claro que com exemplos destes em casa e na escola não se pode esperar que esta malta nova queira trabalhar, esforçar-se para alcançar um objectivo.... há que esperar que os pais ou os professores (ou alguém) o faça por eles e lhes traga tudo feitinho e pronto a ser utilizado. Afinal, para quê cansar-se e ter uma trabalheira?!

24 de junho de 2009 às 17:12  
Blogger dana_treller said...

A linguagem adolescente é, sem dúvida, das mais vivas e férteis fontes de neologismos que a nossa língua (não sei dizer se o fenómeno ultrapassa o português) tem. Verdade seja dita, na idade das "hormonas aos saltos" e dos "sentimentos à flor da pele", a vida é colorida com mais luz e mais vigor, e a velocidade a que fervilham as ideias faz nascer coisas novas todos os dias, até mesmo no vocabulário.

Considero-me uma rapariga jovem, tendo em conta que ainda estou na década dos 20 anos. No entanto, e com um irmão com menos 10 anos a cirandar lá por casa, já aprendi umas coisas novas :). Certo dia, o rapaz deixou-me sem palavras quando me explicava qualquer coisa (não recordo bem o quê) que para ele era óbvia e que eu não estava a perceber. Não imaginam a minha surpresa quando, tendo terminado a sua explicação, ele me olha com condescendência e diz com os olhos muito arregalados "dahah!". Devo ter feito um tamanho ar de surpresa que o rapaz não se aguentou e escangalhou-se a rir! :)

Este é só um de muitos episódios, uma de muitas pequenas coisas que ganho e aprendo com ele todos os dias. E não me parece que seja uma questão de preguiça, ou de trabalho. É uma questão cultural e de integração num mundo só deles, e que eles tentam manter assim.

Nós (eu e os amigos, quando éramos mais novos:)), usávamos o "dá-me um cóxe" (nem sei como se escreve) para pedir a alguém que nos desse a provar uma guloseima. Criávamos códigos para falar sobre rapazes sem que ninguém percebesse... Entre muitas outras coisas.

E sim, nessa altura o Garret era uma seca, o Camões podia ter rimado menos que não dava tanto trabalho a estudar, e Os Maias podiam ter menos 200 páginas que não perdiam nada na história e demoravam menos a ler :). Eu fui assim. E espero que todos tenham sido assim um dia. Lembram-se como foi bom?

24 de junho de 2009 às 23:03  
Blogger Mg said...

Se há algo que resta do bom e velho Portugal, esse algo será a nossa Lingua (a nossa Pátria, como diria Pessoa).
Pouco mais escapa.
Hoje em dia, já não basta termos o acordo ortográfico (que já me pôs em situações de apontar erros onde eles - agora - não existem): temos que levar também com a linguagem internética e de SMS.
Se escrita faz alguma confusão, imagine-se falada!

Claro que num momento de cumplicidade entre avó e neta, tudo se perdoa e tudo pode ser motivo para uma boa gargalhada.
No entanto, qual será a reacção de um comum mortal se daqui a uns 50 ou 100 anos a Cinderela se contar assim:

"Há bués de time havia uma garina cujo cota já tinha esticado o pernil e que vivia com a chunga da madrasta e as melgas das filhas dela.
A Cinderela, Cindy p'ós amigos, parecia que vivia na prisa, sem tempo para sequer enviar uns mails.
Com este desatino só lhe apetecia dar de frosques, porque a madrasta fazia-lhe bué de cenas.
É então que a Cindy fica a saber da alta desbunda que ía acontecer :
- Uma party!!
A gaja curtiu tótil a ideia, mas as outras chavalas cortaram-lhe as bases.
Ela ficou completamente passadunte, mas depois de andar à toa durante um cóche, apareceu-lhe uma fada baril que lhe abichou um vestido boé bacano e ela ficou a parecer uma g'anda febra.
Só que ela só se podia afiambrar da cena até ao bater das 12.
A tipa mordeu o esquema e foi para a borga sempre a abrir.
Ao entrar na party topou um mano cheio do papel, que era bom comó milho e que também a galou.
Aí a Cindy passou-se dos carretos e desbundaram "ól naite long" até que ao ouvir as 12 ela teve de se axandrar e narrou-se.
O mitra ficou completamente abardinado quando ela deu de fuga e foi atrás dela, mas só encontrou pelo caminho o chanato da dama.
No dia seguinte, com uma alta fezada, meteu-se nos calcantes e foi à cata de um chispe que entrasse no chanato.
Como era um alto cromo, teve uma vaca descomunal e encontrou a maluca, para grande desatino das outras fatelas que tiveram um g'anda vaipe quando souberam que eles iam juntar os trapos.
No fim, a garina e o chavalo curtiram largo e foram bueréré de felizes."

Será que Camões, Pessoa ou Quental, por exemplo, não estarão neste momento a dar voltas dentro da urna, ao verificar que um dos nossos símbolos, um dos nossos traços identificativos, é tratado desta forma leviana?

Acredito que sim. E acredito que a Alice pense da mesma forma. Mesmo que se permita rir com a sua neta (mau seria se não se permitisse fazê-lo..) com base no tratamento ligeiro da Lingua Portuguesa.

Os tempos são outros, a "canalha" de hoje é diferente da de há uns anos atrás, a tecnologia impera e a informação prospera.
Mas, caramba, virá algum mal ao mundo se tratarmos a nossa Lingua como ela merece? Será que custa assim tanto educar os jovens no respeito pelo Português?
Que se abrevie, "q" se escreva "axim", para poupar algumas letras numa SMS ou para acelerar a conversa num MSN, ainda vá que não vá.
Fazer, dessa excepção, regra, é que já não me parece bem.
Qualquer dia, ainda mudamos de Hino e de "Heróis do Mar, Nobre Povo", passamos a ter "Gajos baris das ondas, malta curtida"?

Seria bué da nice, não acham?

25 de junho de 2009 às 13:37  
Blogger Unknown said...

"lol" em vez de uma gargalhada... Imaginem que é só o começo! O passo seguinte será: "Olá mãe, dois pontos hífen abrir parênteses.", "Então, rapaz, que se passa? Deixo isso, fiz bolo para levares para a escola!", "Dois pontos hífen fechar parênteses." decorrendo toda esta conversa com a mesma ausência de expressão facial!

Talvez ainda faltem uns anos...

A verdade é que temos um idioma rico, vasto e mesmo versátil! Conseguimos ter a mesma conversa, dependendo do contexto, como monossílabos, dissílabos e polissílabos, sacrificando a forma mas preservando o conteúdo (especialmente com a utilização de neologismos cibernéticos...).

O desejável é que os sacrifícios ao nosso idioma se restrinjam à linguagem coloquial de determinada faixa etária, e que esta receba a educação necessária para falar em cada contexto...
Ora isto depende mais de quem educa do que dos educandos, pois estes gostam do seu pequeno mundo, inatingível pelos adultos.

Asteriscos e abrir e fechar parênteses rectos para todos.

25 de junho de 2009 às 19:51  

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