30.6.09

Alegretes

Por João Paulo Guerra

Metade dos portugueses não usufrui do período total de baixa médica sem ter que fazer grandes restrições ao orçamento familiar. E uma percentagem superior a 13 por cento admite não conseguir comprar todos os medicamentos de que necessita.

OS INDICADORES de privação, agora divulgados, revelam que bastante mais de metade da população tem um orçamento familiar inferior a 900 euros. E apenas 17,5 por cento dos agregados familiares têm rendimentos superiores a 1500 euros. Cerca de 62 por cento dos portugueses não consegue pagar uma semana de férias fora de casa. Os indicadores em referência confirmam que se alargou a exposição à vulnerabilidade, afectando grupos bastante diversos. Ou seja, os portugueses têm empobrecido ainda mais ultimamente com uma política que, já antes da crise, em vez de criar riqueza criava ricos mas, acima de tudo, produzia novos pobres. Muito provavelmente, aos olhos do poder, francamente preocupante é que tenham desaparecido 700 dos 10.400 milionários portugueses.

Para tudo isto, e para além das políticas fundadas na desigualdade, muito contribui um certo atavismo português, enraizado pelo chamado Estado Novo, segundo o qual a riqueza não traz a felicidade e a pobreza é uma fonte de alegria. Pobretes mas alegretes, dizia-se, segundo uma filosofia de vida propagandeada em filmes e canções ligeiras. O próprio sátrapa de Santa Comba apresentava-se cultivando a imagem da humildade e da sovinice, um forreta que criava galinhas e plantava couves na residência de São Bento, para que Dona Maria servisse aos convivas a comidinha dos pés-rapados lá da aldeia.

E ainda perdura. A democracia não ensinou nada aos portugueses. Os pobres são felizes na pobreza e os chico-espertos prosperam por conta de habilidades.

«DE» de 30 de Junho de 2009

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