20.4.09

«Pilha-galinhas» e «Pilha-milhões»

Por Alfredo Barroso
UM «PILHA-GALINHAS» é ladrão e vai ser julgado em tribunal dois anos depois de ter roubado duas galinhas. Um «pilha-milhões» é um génio e hão-de passar muitos anos até que o seu improvável crime prescreva, enquanto ele continua a sacar milhões de papo para o ar. Roubar industriosamente é engenho, assaltar galinheiros é desaforo.
Não espanta a diferença, numa sociedade em que os próprios indicadores oficiais mostram que as desigualdades sociais aumentaram na última década, e em que a justiça se arrasta com a lentidão de um «D. Elvira» no Rally das Camélias quando se trata de julgar os ricos e os poderosos que, por azar, chegam a tribunal. Pois pudera!
Quando constatamos que se cava cada vez mais fundo o fosso que separa ricos e pobres, ao mesmo tempo que se alarga a enorme distância entre o poder e os cidadãos, o que espanta é que tudo isto aconteça numa sociedade governada, rotativamente, há três décadas, ora por pretensos socialistas ora por pretensos social-democratas.
Como dizia Camilo: «Falta-nos a virtude e a moral; falta-nos o respeito à lei, e a lei que deva respeitar-se; falta-nos esse quase nada que faz dum povo de traficantes e de corruptos uma sociedade de irmãos e de amigos». «Esta frioleira dispensa-se», acrescentava ele, referindo-se a roubos, desaforos, prepotências e «outras bagatelas que desaparecem debaixo dos alicerces dum pomposo caminho-de-ferro». Bruxo!
NOTA: As crónicas do autor são também afixadas no seu blogue, «Traço Grosso». Os desenhos foram feitos por CMR para a VALOR e a DÍGITO.

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6 Comments:

Blogger JPRibeiro said...

"o que espanta é que tudo isto aconteça numa sociedade governada, rotativamente, há três décadas, ora por pretensos socialistas ora por pretensos social-democratas."

Espanta? O que me espanta é o "pretensos" no meio da frase.

A fé no socialismo cega. Quando é que vocês acordam para a realidade? Daqui a outros 35 anos?

20 de abril de 2009 às 15:44  
Blogger Clotilde S. said...

Já é caso para dizer : por este andar, falta-nos tudo!

Cumprimentos,

CS

20 de abril de 2009 às 22:33  
Blogger Heresias said...

Continuamos tão aristocráticos como no tempo do absolutismo: privilégios para a nobreza, agora mascarada de democracia com colarinho branco, e mão dura para o povo, que é para ensiná-lo a ter baixas expectativas e nem se atrever a muita coisa. Quando isso acontece: pimba!!! Cai-se logo em cima...
Enquanto isso o leque salarial é dos mais altos da Europa (Suécia e etc.) e... e... e... o país é de um miserabilismos humano atroz...
Mas somos democratas: vamos votar! Vamos celebrar o 25 de Abril: o povo é quem mais ordena!!!! et. etc.
Saudações

21 de abril de 2009 às 11:33  
Blogger O Sousa da Ponte - João Melo de Sousa said...

Claro que parece ridículo julgar alguém por roubar duas galinhas.
No entanto roubo é roubo e pelo que ouvi do queixoso o roubo das galinhas foi apenas um dos muitos roubos que o réu tinha feito.

E se se descriminalizasse o pequeno furto isto ia ser o caos.

Não desculpa é que um grande furto seja mais difícil de julgar.

Também não vale a pena pensar que "é só cá neste pais"

É assim na maior parte dos países.
O O.J. Simpson se fosse pobrezinho tinha sido condenado.

21 de abril de 2009 às 13:37  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Em tempos abordou-se, neste blogue (com um post de Pedro Barroso), o problema de uma velhinha que foi presa por roubar um cosmético num supermercado:

http://sorumbatico.blogspot.com/2007/06/quadratura-do-circo_15.html#comments

Dos comentários que recebeu, destaco os seguintes:

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Esta é a 2ª história de velhinhas apanhadas a roubar em supermercados: a outra roubou um cosmético, esta roubou um sabonete. Se calhar, até é a mesma.

Mas este é um assunto melindroso, que é preciso abordar com alguns cuidados, até porque se presta a demagogias do género «o pobrezinho que rouba o rico» coloca-se na posição do «ladrão que rouba ladrão, pelo que tem 100 anos de perdão»

Por um lado, é preciso que haja proporção de meios face ao roubo (uma ida à esquadra, se calhar, até era de mais).
Mas, por outro lado, não se pode criar a ideia de que, se o cliente for "velhinho" e o roubo for "pequeno", o mau da fita - afinal! - é o roubado e não o ladrão.

Mas, se a filosofia for essa, então convém assentar ideias - e até afixá-las à porta e (porque não?) em folhetos publicitários:

Acima de que idade é que se pode roubar sem problemas?
Abaixo de que valor é que um roubo deixa de ser condenável?

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Tem de haver bom-senso:

Nem a Justiça pode perder muito tempo com ninharias, nem se pode criar a ideia de que se pode roubar à vontade desde que o roubo seja "pequeno" (e quem define o que é "pequeno"?) e cometido por velhinhos M/F (e quem define a idade para "velhinho"?).

Obrigar a pessoa a pagar, é claro que é mínimo que se pode (e deve) fazer. Mas é claro que não chega, senão valia sempre a pena tentar... Mas talvez a proibição de entrar nessa loja durante algum tempo seja suficiente.

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A notícia (como todas as outras, semelhantes) dão de barato que a senhora, de facto, roubou; e põem a tónica nos outros aspectos, nomeadamente na desproporção de recursos gastos a acusá-la. Claro que se não fosse assim, o assunto nem sequer era notícia.

Posto isso, o que se dispensa é o "choradinho" do género «é velhinha... coitadinha... não faz mal, há quem roube mais...».

É que essa teoria de «há quem roube mais...» dá para tudo, desde o carteirista de metro até ao autarca mais gatuno pois, procurando bem, há sempre quem roube mais.

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Numa sociedade saudável, todos os crimes têm de ser encarados de frente.
Quando muito, o que pode questionar-se (e o texto de PB é, essencialmente, em torno disso) é a proporção de meios:

Um crime grande pode ter de movimentar meios grandes e ter penas grandes; um crime pequeno, poderá contentar-se com meios pequenos e ter penas pequenas.

Quanto a uma «pena ZERO para velhinhos velhinhas que cometam roubos pequenos»... não sei se existe em algum país do mundo.

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Note-se que quem fez a notícia (e quem a comenta) parte do princípio que a velhinha da notícia é pobre. Mas onde é que isso está dito?
Não está.
Nós é que, nos nossos preconceitos, achamos que se uma velhinha rouba um sabonete é porque é pobre.
Não é nada evidente:
Nos supermercados, os roubos são variadíssimos e cometidos por pessoas de todas as classes e idades.

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Esclarecimento aos mais chocados legalistas - o texto nao é sobre desculpa; é sobre desproporção de meios.
Há que resolver estas coisas à porta do estabelecimento ou com julgados de paz rápidos, cirurgicos e eficazes.
Longe de mim desculpabilizar o crime como, ao que parece, ultimamente se pretende instituir.
Mas conseguir resolver as coisas também sem perder para o erário público uma proporção de 5000 vezes o preço da culpa.
Caricata culpa para tanta eficácia. Por contraste com tantos casos onde ha caricata eficácia para tanta culpa.
Eis o que quis dizer.

Pedro Barroso

21 de abril de 2009 às 15:00  
Blogger Heresias said...

Não está em causa desculpar o pobrezinho ou o velhinho. Está em causa o fosso entre ricos e pobres, como o autor do post refere e a desproporcionalidade de meios para combater o facto ilícito. Em termos financeiros e de bens económicos quem prejudica mais quem? Qual o tipo de crime que lesa mais a sociedade? O pilha-galinhas ou o pilha-milhões? Uns querem "enriquecer" com uma galinha, um sabonete, e outros à conta de lavagens de dinheiros, produtos tóxicos e etc. Mas como têm colarinho branco, são bem falantes, bem apresentados, bem acompanhados nos seus actos.... é mais difícil deitar-se-lhes a mão porque não há vontade política e a justiça não é cega.

21 de abril de 2009 às 18:53  

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