26.12.08

A Consciência dos Médicos

Por Maria Filomena Mónica
A PARTIR DO PRÓXIMO DIA 15 DE JULHO [de 2007], os hospitais públicos com serviços de obstetrícia vão ser obrigados a realizar os abortos pedidos por mulheres grávidas até às dez semanas de gestação. Há anos que temos uma lei razoável sobre a chamada Interrupção Voluntária da Gravidez, mas nunca se aplicou porque os médicos portugueses não gostam de o fazer. O Código Disciplinar da respectiva Ordem contém mesmo uma cláusula que pune os que tal pratiquem, uma situação que só se mantém porque quem mais sofre são as mulheres de fracos recursos económicos.
No momento em que escrevo, está a ser impressa em Diário da República a portaria que regulamenta a lei aprovada após a realização do referendo do passado dia 11 de Fevereiro. Ora, que vemos? Os médicos serem repentinamente assaltados por escrúpulos morais: nos dois maiores hospitais do país, 80% dos obstetras declararam-se «objectores de consciência». Quererá isto significar que todos eles consideram que um feto de dez semanas é um ser humano? Não acredito. Nesta matéria, o meu herói é o Dr. Albino Aroso, o qual, há alguns anos, nos veio lembrar que os fetos com menos de um certo peso eram tradicionalmente tratados como lixo descartável sem que algum obstreta a tal se opusesse.
Não é apenas por uma questão de status que os médicos não fazem abortos. A propósito, vale a pena recordar o paralelismo com os dentistas. Há alguns séculos, tirar um dente era um acto praticado por barbeiros, como o aborto o era por parteiras. Ora, hoje não há dentista que se lembre do passado sombrio da sua prática, uma vez que a sua profissão é bem remunerada, o que não acontece com os obstretas dos hospitais públicos. Na minha opinião, só há um remédio para o conflito entre os médicos e a vontade da Nação: o alargamento do «números clausus» das Faculdades de Medicina. Confrontados com a ameaça de desemprego, os clínicos depressa esquecerão os seus problemas morais.
Junho de 2007

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