23.9.08

«Acontece...» - Passatempo com prémio

Por Carlos Pinto Coelho

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Na imensidão marroquina, um pastor solitário e os seus animais. Se esta imagem for inspiradora de um texto criativo, isso pode valer um prémio (em livros, como sempre). O passatempo terminará às 20h de 29 Set 08.
NOTA: Esta fotografia, como todas as outras aqui afixadas em posts com o título genérico «ACONTECE...», é da autoria de CPC.
Actualização (CMR): ver a opinião do júri no comentário-10.

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10 Comments:

Blogger Táxi Pluvioso said...

Mnham! Mnham! Almoço.

24 de setembro de 2008 às 13:49  
Blogger Fernando Sosa said...

A sudeste de Fez, perto das Montanhas do Atlas e entalado entre os rios Bou Regreg e Moulouya – ambos filhos do Atlas Médio-, o calor é por norma abrasador. Espera-se e desespera-se por uma brisa de ar fresco, por mais leve que seja. Aqui não há ar condicionado, nem máquinas de refrigerantes. O gado precisa de se alimentar e eu não posso enjeitar o trabalho. A numerosa família espera-me ao lusco-fusco e desapontá-los não é opção. Assim é a minha vida há duas décadas, ou talvez mais, que a memória já é longa. E ano após ano o sol das 12h contínua implacável.

O meu irmão mais velho, Youssef, o mais expedito da irmandade, foi o mais bem sucedido. É hoje um comerciante respeitado em Tétouan, não só pelos nossos compatriotas, mas também por empresários ibéricos que àquela cidade atraem milhares de turistas todos os anos. Ele disse-me que o devia ter acompanhado quando novo partiu para a cidade. Eu não quis e embora pudesse ser hoje como ele, abastado e invejado, não estou triste. Esta areia faz parte de mim tal qual como Ceuta e Melilla voltaram a ser marroquinas. A vida é difícil por aqui, não hajam dúvidas. O trabalho é duro e a semana em que trabalhar quarenta horas saber-me-á a férias. Mas eu tenho aqueles que para mim são os dois maiores privilégios do mundo: no final do dia, ao chegar a casa, posso abraçar os meus cinco filhos e ainda apreciar o pôr-do-sol sobre a montanha que me viu nascer, crescer e, com muito gosto meu, me verá partir desta vida.

Dou um poupado gole de água e aproveito esta hora calmosa do dia para observar melhor o forasteiro que me acaba de fotografar. Uma carregada camada de creme protector envolve o seu pálido rosto, enquanto que inúmeros carreiros de suor descem pelo seu corpo pouco habituado a tanta quentura. O que vês tu Homem moderno? Que sentimentos te provoco? Espero que pena não seja, pois seria patético: eu sou livre para apreciar o que me rodeia, não marcho juntamente com uma multidão alienada como acontece no teu país; tenho pensamentos genuínos e nada me pode roubar a liberdade da minha existência – neste deserto assim posso viver. Porventura algum género de afecto? Disso também não necessito: os meus pais souberam dividir o seu amor por todos os filhos, meus irmãos amam-me e sou o chefe de uma família que me sabe respeitar e adorar. Achas-me no meio de uma solidão? Por aí também erras, esta paisagem assim como os meus animais oferecem-me diariamente a sua plácida e reconfortante companhia.

Como vês amigo visitante, não preciso de ouro nas mãos ou de viver numa cidade para encontrar a felicidade. Aqui tenho tudo o que preciso e afastar-me desta minha casa apenas poderia ser danoso para a minha humilde e jovial existência. Talvez devesses prestar mais cuidado sobre a tua existência e preocupar-te menos comigo…



Nota: este texto não foi elaborado com a intenção de mostrar exactamente como é o dia-a-dia de um pastor marroquino, pois para isso precisaria de um pesquisa muito grande, como se poderá calcular. Espero assim não ter cometido nenhum erro aberrante.

28 de setembro de 2008 às 18:49  
Blogger Fernando Sosa said...

Erro ortográfico encontrado: substituir "voltaram" por "voltarão", 9ª linha do 2º parágrafo.

28 de setembro de 2008 às 19:01  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Rui Carlos enviou, por mail, o seguinte comentário:

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A fotografia do Sr. Carlos Pinto Coelho merece-me um comentário. Aqui lho deixo, sem pretensões à sua apreciação.

Haverá mundo para além da imensidão de pedras que vejo?

Que interessa, se não o vejo não o sinto e, portanto não lhe noto a falta. Se o meu Deus quisesse que eu o visse, não me tinha deixado ficar por aqui. Ou teria?

Por agora, fico senhor das pedras e do rebanho.

Assim seja, pois a resignação, penso eu, é um acto de afirmação.

Com consideração
Rui Carlos

28 de setembro de 2008 às 20:00  
Anonymous Anónimo said...

Tarik Mohammed Batmhuma olhava para tudo e para nada. O seu pensamento levava-o longe. Pensava na altura que seu pai, Mustafah Kriptalaha Batmhuma o tinha mandado estudar para Londres.
Tarik tinha 18 anos, na altura, sempre foi um bom aluno, interessado em línguas em especial, poliglota. Aprendeu muito sozinho, através de manuais importados com muito custo pelos seus pais. Pois os recursos finaceiros eram poucos, viviam do que a venda de gado e produtos caseiros lhes dava. Mas conseguiam satisfazer Tarik e isso deixava-os felizes.
Quando, Tarik, foi para Londres estudar filosofia não sonhava o que iria experiênciar.
No dia da partida teve uma grande festa de despedida com amigos e familiares, que contribuíram financeiramente para que Tarik se podesse formar no estrangeiro.
Chegou a Londres a 15 de Agosto de 2000.
Rapidamente encontrou local para ficar e em poucos meses estava integrado.
Toda a cidade o maravilhava. Tudo era novo. Nunca tinha visto nada igual e por vezes era alvo de chacota dos colegas ingleses. Não se importava, pois sabia que se algum deles fosse à sua terra em Marrocos agiria como ele.
Porém, o que o incomodava era os olhares e bocas de estranhos que o ofendiam. Apelidavam-no de “ o terrorista”. Quando estava em cafés ouvia as pessoas ao lado a comentar: “ De certeza que está a tramar alguma. Com este ar não engana ninguém.”.
Deu-se o atentado ao metro e autocarros de 7 de Julho em 2005. Por infelicidade do destino Tarik estava a metros do autocarro. Assistiu a tudo e ficou em estado de choque. Foi assistido e de imediato transportado para uma esquadra onde foi interrogado. Trataram-no mal, muito mal. Varias acusações, infundadas lhe fizeram chegando mesmo a tortura-lo psicologicamente. Ao fim de dois dia provou que nada tinha a ver com os atentados e foi libertado.
Tarik não resistiu e voltou para a sua terra natal, antes de terminar o curso. Faltavam dois exames para terminar.
Fora bem recebido e protegido pelos pais, que de imediato o ocuparam com trabalhos para o ajudar a recuperar.
De repente sentiu um toque nas costas e levantou-se assustado. Uma das suas cabras tinha-se encostado a ele.
Levantou-se, olhou para a planície, para o gado, para o céu e pensou: “ Aqui estou em paz!”

29 de setembro de 2008 às 10:57  
Blogger Mateso said...

Yassin, de cócoras, sobre as suas pernas magras, perscruta o horizonte. Na mão a vara, símbolo de pastor, gira lentamente golpeando o vento. Já o sol vai alto. É hora de descanso. As cabras, dispersas por entre a secura das areias e das pedras, esgravatam o solo árido, na procura dos resquícios de erva quiçá cactos, que por ali existiram. O gado é magro e escuro. O balir é esparso de acordo com o alimento. Há que ser parco nos sons e nas atitudes. O silêncio toma o lugar. O rosto de Yassin sobressai da túnica amarelada, que a luz inclemente do sol torna quase alva, o keffiyeh protege-lhe a cabeça. É esquálido na estatura e no porte. O olhar é uma avelã madura. O nariz afilado sai por entre as rugas vincadas que dão ao rosto e ao pescoço as pregas da idade. Os zigomas são vincados, os lábios um traço fino de tonalidade diferente do mate escuro do rosto. As mãos esguias, descarnadas de dedos afilados que se abrem em palma como se tentassem guardar para si um punhado de coisa nenhuma. As unhas são escuras, rasgadas em bicos sujos de suor e terra. Yassin é um chleub. O orgulho corre-lhe nas veias A sua estirpe é altaneira. Os homens mandam, e as mulheres obedecem. São machos. O macho ordena. Assim foi criado. Assim a aldeia viveu. Assim o mundo girou até hoje. Yassin é alto negro de pele e cabelo. Um chleub distingue-se dos outros pelo seu porte, pela sua cor, pela sua voz de comando. As suas ovelhas e cabras apenas lhe obedecem. Naima, a sua mulher, que tem a mania de meter o nariz em tudo, já desistiu de as guardar. Elas não lhe conhecem a voz. Não possui aquele requebro de comando que o homem tem. E os animais são particularmente sensíveis, percebem e não obedecem. É aí que Naima lhe faz a cabeça em água. Com os seus constantes resmungos e arremessos. Naima dirige a casa, que é o seu mundo. Não abre a mão de nada. Naima não é doce., suave e envolvente. Não. Nada disso. É imperiosa, altiva e ríspida. Controla a alma da casa. A sua figura coaduna-se ao seu temperamento. Seca, destituída de carnes, pregueada e lesta. Governa de mão fechada, ele Yassin, mais sete filhos, dois cunhados e a sogra. Que Alá a conserve. Não é fácil para um homem ter que sustentar tanta gente e possuir paz de alma. Nisso a sua Naima tem a mais espinhosa das tarefas, a de olear o reino de casa.
Yassin ergue-se nas madrugadas quentes de verão, quando o sol espreita lá no fundo da aldeia. Escuta o balir das ovelhas no redil e, já de ouvido alerta, esfrega as janelas do seu rosto, salta da cama sem grande alarido, pois que a seu lado, Naima ressona no seu chiado de vagão enferrujado. Enfia os pés nas babuchas, veste o cirwal, a túnica e enfia a abaia, que por ora o protege do frio, e mais tarde do sol inclemente, pese o seu tarbush já estar na ponta do cajado. A madrugada é ainda gélida, sopra do Djebel Toubkal, o ar frio e acutilante que lava os maus pensamentos. Alá na sua divina sabedoria criou a aragem soprada de gelo da montanha para livrar os corações e as mentes do fogo do dia anterior. Varre as cinzas e deixa o lar pronto para uma nova fornada de actos. Alá é misericordioso, sábio e o seu Senhor. Ergue os braços já no exterior e dá uma rápida olhadela no azul que se veste rápido por cima da sua cabeça. Suspira murmurando: Inch-Ala!
Calcorreando o caminho feita de pedra e areia, Yassin entrega-se aos seus pensamentos, enquanto em fila mais ou menos alinhada, as ovelhas e cabras descem paulatinamente, mordiscando aqui e ali ,consoante as ervas ou cardos se apresentam. Pensa na sua família, na sua casa e no seu bairro. A sua fracção é na região de Tafilalet. A terra das tamareiras. Em breve será a festa das tâmaras de Erfoud. Ele sabe que a data tão temida está aí. Suspira. Não admira que Naima ande numa reviravolta, que os nervos estejam em franja, que ande toda eriçada num vai-que-vem sem descanso. O casamento de Aixa, a filha mais velha, está a chegar.
Yassin coça a cabeça, abana-a e, instintivamente puxa os bolsos da sua túnica, vira-os e revira-os. Vazios. Sempre. Por mais que labute estão sempre nus como o deserto. A família consome-o. Este ano é particularmente difícil. As despesas acrescidas pelo casamento que se avizinha, obrigaram-no a vender mais ovelhas. O seu rebanho diminuíra a olhos vistos. As tamareiras, graças a Alá produziram bem, e até deitou mão das rosas que vestem o vale, indo até Erfoud fazer negócio. Mais um tostão, isto é mais dirhams que conseguiu pôr na caixa de metal. Está mais de meia. Espera que chegue. Mas depois da festa, o Inverno ia ser muito duro. Tem que gastar muita moeda, mas não vai ficar mal. Tem que comprar o traje, a prata, a comida para a boda. E ainda o dote. Pai que tem filhas tem sempre esse peso. Mas Aixa merece. Boa rapariga, a sua filha. Doce e trabalhadora. O noivo, primo direito, como manda a tradição leva um tesouro. As tradições são para se cumprir. O rapaz vive em Rabat, não está lá muito contente com o casamento. É macho estudado. Yassin sabe que o futuro genro sobrinho não vai lá muito incendiado para o casamento. É filho da sua irmã Razhi que vive em Rabat. O marido é comerciante de peles. Vivem bem. A irmã só teve dois rapazes. Nunca percebeu porquê. Alá na sua infinita sabedoria saberá a razão. Mas a sabedoria de Alá estendeu-se à sua Naima que soube mexer os cordelinhos nesta próxima aliança familiar. A Casa será mantida. A sua autoridade e decisão de pai serão cumpridas. A família descansa na sua tradição. Assim será até ao fim dos tempos.
Encontra-se no vale, quase perto do pequeno oásis de Fuguig. Este pequeno recanto, a oeste das montanhas, é o paraíso dos seus olhos, a delícia do seu espírito. É ali, que no Inverno faz o cultivo das suas terras. É ali que esgravata a terra e alimenta. O verde exuberante enche-lhe sempre a alma conquanto o amarelo árido circundante lhe seca o espírito. Ali crescem a oliveira, o sobreiro, o argão e o lentisco. A palmeira é a rainha. Que bom é, quando o sol se põe, e se senta respirando a brisa que vem embalada pelas suas folhas. Depois é altura da isha a última oração do dia. É ali mesmo que a faz, em profunda comunhão com a terra, esta terra que ama e o viu nascer, que frutifica sempre que a semente do amor lhe é lançada.
Senta-se, respira fundo. Puxa do odre e bebe umas gotas. Um balido e um bafo morno no pescoço fá-lo virar. Duas ovelhas enroscadas na areia descansam sob a luz violenta que já beija o dia. De cócoras Yassin observa-as. E começa o seu assobiar dolente que aprendera com o avô. Deixa as mãos pendentes num descanso de séculos. Uma cabra pequenina negra e peluda coloca-se de permeio e suavemente lambe-lhe o rosto soltando um balido meigo. Yassin sorri dizendo: "Chuaiê, Chuaiê” e num gesto de homem puro enterra o rosto no pelo do animal aspirando-lhe a sobrevivência dos pobres.
Depois, depois, Yassin inclina-se, os joelhos sentem o respirar da vida na terra morna, seca e esgravatada de vento. Ergue as mãos, dobra o tronco, recolhe a alma. Ora.

Chuaiê-.devagar.

29 de setembro de 2008 às 18:21  
Blogger cristina said...

O dia corre.
Eu corro.
O relógio não dá tréguas (o do pulso e o biométrico).
É preciso levar os miúdos ao colégio, e fazer pagamentos on line, e ir ao correio levantar o registo (sobre a dead-line) e responder aos e-mails, e efectuar pagamentos por e-banking e trabalhar e compras e a miúda já não cabe nas calças e é preciso comer qualquer coisa (este mal estar deve ser fome)e o telemóvel toca e na correria do momento, lá derramo o iogurte,sobre a minha saia (sim, a que tinha saído da lavandaria ontem mesmo).
E corro outra vez. Na ânsia de já ser amanhã. Um amanhã que, se tiver sorte, será igual.
Com tantas outras vidas tão diferentes... talvez melhores ou talvez não. Mas tão desconhecidas para mim, que me apetecia entrar na fotografia e perceber se o tempo lá só escorre, placidamente, tal como o fantasio para mim, numa outra vida, que eu queria bem melhor.

29 de setembro de 2008 às 19:23  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O elemento principal do júri só estará disponível a partir de 1 de Outubro.

Vamos ver se no dia 2 já temos a sua opinião.

29 de setembro de 2008 às 20:55  
Blogger Mateso said...

Correcção:
Na 90º linha " que o alimenta"
Obrigada.

29 de setembro de 2008 às 21:09  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

RESULTADO:

Pede-se aos leitores que seguidamente se referem que, nas próximas 48h, escrevam para sorumbatico@iol.pt indicando quais os livros que preferem e moradas para envio.
____________________

1.º-Mateso:
Poderá escolher entre «O Desafio da Morte» (de Abílio Oliveira) e «A Lua do Tigre» (de Antonia Michaelis).

2.º-Cristina:
Poderá escolher entre «O Regresso da Atlântida» (de Alissa Day) e «As Pupilas do Senhor Reitor» (de Júlio Dinis).

3.º -Fernando Sosa:
Poderá escolher entre «Almeida Garrett-Crise na representação nas "Viagens na Minha Terra"» (de Vitor J. Mendes), «A Queda de um Anjo» (de Camilo C. Branco) e «Eurico, o Presbítero» (de A. Herculano).

1 de outubro de 2008 às 14:26  

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