23.4.08

O futuro é hoje

Por Baptista-Bastos
TRINTA E QUATRO ANOS DEPOIS, continuo a viver no refúgio das minhas esperanças. É muito difícil separar-me dessa ideia de comunidade que foi a moral da resistência, e do conceito de que a História caminha no sentido da libertação do homem. Mas também aprendi a não me acomodar a essa espécie de vocação para o desencanto, reduto onde se lastimam homens e mulheres da minha geração e da seguinte. A festa acabou. Vivemos um instante em que protagonizámos um apólogo presumidamente dialogal, porque, na realidade, havia, e sempre houve, dois países, com compromissos inconciliáveis e linguagens opostas. A existência de classes não é uma falácia, embora queiram inculcar a sua ausência a fim de impedir que as julguemos.
A festa acabou. Não terminou, porém, a definição daquilo que possui a faculdade de reavivar o que pretendem fazer-nos esquecer: os sonhos, a teimosia da vontade, a obstinação da esperança. Chamam-lhe utopia, e condenam-na como fautor de destruição do outro e, portanto, de si próprio, em benefício de uma verdade suspeita. A cada um a sua idiossincrasia, as suas possibilidades, a sua área de agir. Pessoalmente, sou incapaz de viver sem palavras, sem livros, sem o ajustamento desses livros e dessas palavras a uma ética que respeite o leitor, para nunca me extraviar do princípio das convicções mútuas.
Apesar de tudo, creio que não há motivos para extensas decepções. Uma releitura do que éramos e do que somos permite verificar as diferenças reais mas, também, as artificiais, registadas na sociedade portuguesa. Desejávamos mais. Esquecêramo-nos, porém, da pesada tutela exercida por uma Igreja extremamente conservadora, que exaltava a "tradição" e execrava a simples ideia de a questionar; e por uma classe dirigente, composta de cem famílias, que reivindicava privilégios inatacáveis.
O panorama foi muito bem exposto na melhor telenovela portuguesa de sempre: Chuva na Areia, de Luís de Sttau Monteiro, realizada pelo excelente Nuno Teixeira. Seria óptimo que a RTP a reexibisse.
É exacta a afirmação segundo a qual Abril ambicionava fazer da "revolução" uma máquina social, política e cultural influente. As fragilidades começaram na falta de análise das superestruturas, e no dogmatismo (natural no bulício da época) que contrariou a possibilidade de a "revolução" se compreender a si mesma.
Há um fenómeno que não esgota a claridade emocional eclodida há 34 anos: a renovação de uma bela utopia, revelada no número, cada vez mais elevado, de gente nova, atraída pelos prestígios de uma data feliz.
Venha o que vier, nada justifica o niilismo contido no "desencanto". Há uma História que nos pertence, um património moral inesquecível - e um outro país que reaviva o eterno projecto de um outro futuro.
«DN» de 23 Abr 08

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2 Comments:

Blogger antónio m p said...

«Um outro país que reaviva o eterno projecto de um outro futuro». Disto é que eu fico cheio de curiosidade em saber o que pensa o Baptista Bastos. Espero que seja o seu tema de um próximo artigo. Com consideração, amp

23 de abril de 2008 às 14:57  
Blogger náufrago do tempo e lugar said...

liberdade



nascer.
renascer.

numa florescência de luz
suavemente nascer
e criar raízes.

serenamente renascer
por entre os lençóis de abril
sob a fragrância fresca
e impoluta dos cravos vermelhos.

tranquilamente nascer
- ou renascer -
sob o azul ameno
dos espelhos da esperança
que respira
e embala
e encanta
a primavera dos cravos
e da liberdade.



Onde param os espelhos da esperança?
Quem neles se vai rever na próxima sexta-feira?
Eu, não.

que a rosa – toda a rosa - jamais espinhe o amantíssimo cravo.

Com um abraço.

23 de abril de 2008 às 21:47  

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