19.4.08

Gordos unidos – vencidos?

Por Antunes Ferreira
ADÓNIS, NAS MITOLOGIAS FENÍCIA E GREGA, era um jovem esbelto, perfeito, lindo de morrer, como hoje se diria. Filho do rei Cinires de Chipre e da filha deste, Mirra, fruto, portanto, de relação incestuosa. Começava mal, o menino bonito. E tanto era que catrapiscou a Afrodite, deusa do amor, que os Romanos iriam rebaptizar Vénus. Só que o marido enganado, Ares, o senhor da guerra, não esteve com meias medidas: mandou matar o perfeito exemplar. Seguem-se desenvolvimentos vários, que aqui se não trazem por mor da inflação da escrita.
Tal como nas telenovelas mais castiças, o segundo episódio deste enredo, decorre na Roma Augusta, com o sobejamente conhecido Nero desempenhando o papel de imperador. É desse tempo uma figura sui generis, Petrónio, de seu nome completo Gaius Petronius Arbiter, que também era conhecido por Titus. Cidadão de maus comportamentos, mas alegre e folgazão. Adorava a beleza, nomeadamente a masculina, honni soit. A sua opinião era regra obrigatória. Daí ter ficado para a História como o arbiter elegantiae, o árbitro das elegâncias.
Teria um fim muito peculiar. Dera-lhe para escrever – apesar dos seus hábitos de farras multifacetadas – contra, vejam lá, a dissolução dos costumes, patrocinada pelo próprio Nero. Publicou, assim, o Satiricon. O nome indica o que a obra continha. O imperador, anteriormente seu grande amigo, voltou o polegar para baixo. E Petrónio suicidou-se. Abriu as veias, deixou correr sangue e fechou-as, para continuar nesta concertina até morrer. Isto, enquanto declamava poesias satíricas de sua autoria. Para pretensa erudição – basta.
Faço parte desse grupo cada vez mais numeroso que dá pelo nome de gordos. Ou melhor, dos muito gordos, dos obesos, para ser mais preciso. Nada, portanto, tenho que ver com o Adónis e o Petrónio assustar-se-ia quando e se me visse. Já tentei, ingloriamente, perder uns quantos quilos, o quantos significando aqui muitos. A tendência para o sobe-e-desce é constante que me acompanha quotidianamente.
Não se trata, aviso já, de um caso de narcisismo desesperado. Apenas de me tentar afastar de ser apontado a dedo por familiares e amigos. Olha como estás, ainda te arriscas a que te dê uma coisa má, o coração pode ir-se abaixo, os pulmões trabalham ao ralenti, as pernas são um desastre, andas paquidermicamente e assim. A saúde tem, neste particular, uma importância que não se deve, nem pode, ignorar. Pois bem, uma confissão: até andei a tratar-me como Tallon. Compincha – mas não deu.
Não sei se porfiarei em diligências tais. Endocrinologistas, dietistas, e similares tornaram-se-me conhecidos, mas sem resultados práticos. Vou sendo obeso, e entre um cozido à portuguesa com muita carne de porco e sem cenouras, nabos e correlativos e uma dieta hipocalórica, alinho, decididamente, na primeira alínea. Nestes casos, a clássica dicotomia deve ser abolida. Penso, donde que continuo a existir. Com banhas.
Tenho vindo a seguir o momentoso assunto da Depuralina, mais um suplemento alimentar para tratamentos da obesidade. Resumo, socorrendo-me dos media. Foram quatro os casos que fizeram levantar a celeuma. Três notificados oficialmente pelo sistema nacional de fármaco-vigilância levaram à suspensão da venda do produto na semana passada; o quarto foi indicado pelo próprio consumidor, via correio electrónico, para a DGS.Num comunicado conjunto, a Direcção-Geral da Saúde, Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura e Infarmed anunciaram a suspensão imediata da venda do produto, devido a "fortes suspeitas de associação causal entre a utilização" dele e o aparecimento de episódios tóxicos graves. O documento recomendou ainda que os consumidores do suplemento suspendam o seu consumo e, caso apresentem qualquer alteração do seu estado de saúde, consultem de imediato um médico.
A Depuralina está à venda em Portugal desde Janeiro, tendo-se registado a comercialização de mais de 154 latas do suplemento alimentar, pelo que os responsáveis da empresa produtora afastaram um cenário de intoxicação de um determinado lote. Ela esperou um esclarecimento do Ministério da Agricultura sobre os fundamentos da decisão e admitiu recorrer a tribunal se não houver recuo na suspensão da venda, uma vez que, alega, o produto tem apenas componentes alimentares e respeita a legislação em vigor. E acrescentou que, por exemplo na vizinha Espanha não se verificou nenhuma proibição. Acentuou, ainda, que a é um dietético de venda livre, apresentado no mercado como sendo um produto natural que ajuda a "expelir os resíduos do organismo", tendo um "alto conteúdo em fibras e é de baixo teor calórico".
Estabeleceu-se uma confusão de dimensões quase semelhantes àquelas que resultaram da vinda a público da hipótese de perda de seis pontos por parte do Porto, devido a corrupção. Uma desgraça nunca vem só, é sabido. Mas, convenhamos, não se está, face a qualquer deles, numa situação que ponha em risco, sabe-se lá, a independência nacional. Num País como este em que vivemos, questões deste quilate são rapidamente transformadas em cataclismo ciclópico. É o que se sabe. Infelizmente.
Ora a Depuralina ou outra Lina qualquer – lembram-se da famigerada Ritalina que terá sido usada pelo campeão Joaquim Agostinho, o maior ciclista português? – não pode ter a dimensão que lhe foi dada. Numa terra a sério tal não acontecia. Nos Estados Unidos, mas isso é outra história, a Food and Drug Administration já teria opinado, com pressões à mistura e das mais diversas proveniências. Mas a FDA é, também, o que se sabe.
Plagiando slogan originário do Chile, mas espalhado por todo o Mundo (nós, como é sabido, usámo-lo com alegria no 25 de Abril, em 1974, penso que se lembram…), os gordos unidos jamais seriam vencidos. Utilizo o condicional, como é evidente, porque continua a polémica do suplemento dietético. Ressalvo, porém, uma possível derrota obesa, em tais circunstâncias.
Todos os países têm gordos, mais ou menos, até mesmo uma quantidade de obesos muito razoável. Ou seja, vivem problemas a que é dado relevo absolutamente diferente, de acordo com a dimensão deles. Uns têm o Mugabe criminoso, ditador e fraudulento; é muito grave. Outros possuem uma primeira dama que se despiu tranquilamente perante uma câmara fotográfica; é interessante. Nós ficamo-nos pela Depuralina; é hilariante.

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