29.2.08

Nem pensar

Por Antunes Ferreira
DAS DUAS... TRÊS: a) ou se bate em José Sócrates; b) ou se bate em Luís Filipe Menezes; c) ou não se bate em ninguém. Regra certa esta e tripartida, na política à portuguesa. Não fora a existência das alternativas – e seria um dogma. Assim, nada de considerandos divinos; há que quedar-se pela lei terrestre, sem arrotos de pesporrência nem sons de arrogância. É assim; é a vida.
Lêem-se alguns títulos, a esmo e só no DN de ontem. Governo recua no fecho de Urgências. Metade dos portugueses exposta a níveis de ruído perigosos. Ministério Público investiga morte após lipoaspiração. Violência doméstica leva filho a matar pais; depois, suicida-se. PSD quer comissão para incompatibilidades. Governo obrigado a garantir acesso ao direito. Megaqueima de droga não esvazia armazém da PJ. Idosa em tribunal acusada de furto de creme de 1,39 euros.
Do primeiro-ministro, quase nada. Bom, convenhamos, o homem também deve ter direito a um dia de descanso. Ou quase. Pois se até Deus descansou ao sétimo dia... Nada de parangonas, no caso em apreço, ou seja a consulta a títulos gordos do quotidiano da Avenida da Liberdade. Ninguém sabe para o que está guardado, diz o fado, daí que hoje, sábado, talvez os cabeçalhos sobre o senhor de São Bento tenham outro impacto, voltem ao habitual.
Já quanto ao candidato (?) a chefe (?) do Governo (?) a roca fia mais fino. Menezes tem uma especial queda para se meter onde não fora chamado. Coragem política, dizem apaniguados seus. Companheiros há que sentem a pele engalinhar-se só por tal ouvirem dizer. Não se pode estar bem com Deus e com o Diabo. Não se poderá estar bem com Luis Filipe Menezes e com Pedro Santana Lopes? Os laranjas que resolvam.
O presidente do PSD tem vindo a coleccionar motivos para que seja cada vez mais controverso. Anteontem prometeu que quando chegar a primeiro-ministro, os médicos vão progressivamente deixar de acumular funções no serviço público de Saúde e no sector privado. «Tendencialmente a prazo deve-se caminhar nesse sentido», ou seja, «quem está no público está no publico, em full time, e em disponibilidade permanente e quem está no privado está no privado», disse aos jornalistas, após uma visita ao Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.
De imediato, o bastonário da Ordem dos Médicos considerou «lamentável» a proposta do presidente do PSD para o fim da acumulação do exercício da medicina no sector público e privado, por achar que acabaria com o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pedro Nunes reagiu, desta forma, à proposta de Luís Filipe Menezes, ou seja, como antes se disse, este defendera que não se pudesse acumular o exercício da medicina no sector público e no privado, princípio que dissera querer ver aplicado progressivamente, a prazo.
Para o bastonário, a proposta fora «preocupante», na medida em que «é uma demagogia entender que há qualquer risco ou menos capacidade do Serviço de Saúde pelo facto de alguns médicos, depois de cumprirem o seu tempo de trabalho, utilizarem o seu tempo livre para fazer consultas, em vez de irem para a praia ou cinema». E lamentou ainda que uma proposta deste tipo tenha saído de um partido que supostamente defende a liberdade de escolha.
Caldo (quiçá de cultura microbiana) entornado quanto aos médicos. Já não bastava o que, no entender deles, lhes tinha vindo a fazer o ex-ministro Correia de Campos, e vinha agora um colega fazer afirmações de um tal quilate. O clínico Filipe Menezes – muito mais político do que discípulo de Hipócrates – ficava, assim, em maus lençóis, quem sabe se hospitalares.
Mas já anteriormente, e num contexto totalmente diferente, o líder social-democrata opinara de tal modo que até um seu correligionário viera a público afirmar da irresponsabilidade do que afirmara. Luís Filipe Menezes comprometera-se, na terça-feira à noite, a retirar a publicidade da RTP se ganhasse as eleições legislativas de 2009 e formasse Governo, deixando o mercado publicitário para os privados. «Há uma opção que o PSD vai fazer, quando ganharmos as eleições: o canal público de televisão vai deixar de ter publicidade e vai ser mesmo um canal de serviço público», declarou Luís Filipe Menezes, em entrevista à SIC Notícias.
«Eu sei quanto é que isso custa e o que vai ter que ser renegociado», acrescentou. Questionado sobre o custo dessa decisão, respondeu: «São alguns quilómetros de auto-estrada. Há opções a fazer. Deixar o mercado da publicidade para os privados é uma opção de fundo que faremos quando formos Governo». Quando lhe perguntaram se tal era uma promessa, Menezes insistiu que se trata de um «compromisso».
Logo o antigo governante Nuno Morais Sarmento veio considerar a proposta de retirar a publicidade na RTP, avançada pelo líder do partido, como «avulsa» e «não reflectida», criticando ainda o dirigente por tardar em apresentar iniciativas políticas. Morais Sarmento, que assinou o actual acordo entre o Estado e a RTP de saneamento de dívidas, afirmou, em declarações à TSF, que «a matéria da televisão pública é séria demais para ser limitada a propostas que visam a sensação pública e a pressão do momento». «É impossível, numa questão com esta seriedade e complexidade, reduzi-la e comentá-la numa proposta avulsa e, por isso, desencaixada, como a supressão de publicidade ou a privatização da televisão pública». Mais críticas se registaram, desde as afirmações do ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, até ao Bloco de Esquerda. Francisco Louçã comentou que a proposta do líder social-democrata «mostra o que é o PSD hoje em dia». «É a prova exacta de um partido de interesses, um partido de serviços». Para o bloquista, o presidente do PSD pretende «acabar com o canal público de televisão, que é sempre uma condição do pluralismo da informação». Registo, sem comentários.
Isto tudo veio trazer à superfície – se é que nela não estava já – a complexíssima questão de se saber quem manda realmente da Rua de São Caetano. Menezes – ou Santana? Estranha condição esta que os sociais-democratas-liberais vivem. Santana é o que se sabe. Menezes (que não se sabia exactamente o que era) agora também já se sabe.
De tal forma o tema se agudizou que o presidente do grupo parlamentar laranja, nomeado por Luís Filipe Menezes, ironia inquietante, surgiu faz hoje oito dias a garantir que não havia dupla liderança no partido porque os social-democratas têm em Luís Filipe Menezes um líder forte «que sabe decidir». «Não é verdade que o partido tenha dois líderes e nem acredito, nunca acreditei e continuo a não acreditar em lideranças partilhadas, em duplas lideranças» afirmou.
«Eu compreendi, nomeadamente na legislação eleitoral autárquica, as razões do doutor Luis Filipe Menezes, apesar de ao princípio ter ficado surpreendido, e digo surpreendido porque não contava que ele fizesse aquela declaração em Pombal, não sabia que ele a ia fazer, mas também não tenho de saber tudo o que ele vai dizer todos os dias», sublinhou Santana Lopes. Recorde-se que Luís Filipe Menezes ameaçara quebrar o acordo com o PS sobre a lei eleitoral autárquica se o projecto de lei conjunto não fosse alterado para que os presidentes de junta possam votar os planos e orçamentos municipais.
Santana Lopes, porém, e como é sabido, não dá ponto sem nó. Assim, acabou, no entanto, por admitir que os rumores sobre divergências com Luís Filipe Menezes partem muitas vezes de dentro do próprio PSD, lembrando um episódio em que correu, no partido e no Parlamento, o boato de ruptura entre os dois depois de um almoço que teve de acabar mais cedo. «É dar mais trabalho às pessoas que é para elas terem menos tempo para inventarem essas interpretações», sugeriu.
Entretanto, o (ainda) líder do PSD afirmou que a manifestação de dia 7, que inicia a Semana de Luta da Frente Comum, «marca o ponto de viragem irreversível na popularidade do Governo e na construção de uma mudança». Os sindicatos da Frente Comum iniciam a 7 de Março uma Semana de Luta, que culminará com uma greve e concentração no dia 14, contra o novo diploma dos vínculos, carreiras e remunerações.
A Semana de Luta inicia-se com um encontro nacional de dirigentes e delegados sindicais do pessoal não docente dos ensinos básico e secundário, em Lisboa, com desfile para o Ministério da Educação. No dia seguinte (8 de Março) realiza-se a marcha de indignação dos professores. «Face à situação de descontentamento na educação, à perseguição de professores, ao clima de medo instaurado e à situação caricata de identificação dos docentes que falaram à televisão, tenho a certeza que a manifestação será um ponto de viragem irreversível na popularidade do Governo e na construção de uma mudança», afirmou Menezes.
É a hora da pancada em Luís Filipe Menezes. Mas é também e cada vez mais a hora de descontracção de José Sócrates, no que concerne às legislativas do ano que vem. Com concorrentes como Menezes, Portas, Jerónimo ou Louçã, o primeiro-ministro, ainda que em perda de popularidade, nem vai precisar de contratar empresa que lhe faça a mudança de São Bento. É tiro e queda: mais quatro anos se desenham no horizonte, cada vez mais com cores definidas. Oxalá não se trate de outra «evolução na continuidade»... Nem pensar!

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1 Comments:

Blogger Jorge Oliveira said...

Mas este assunto tem algum interesse?
Já nos bastava o Brederode Santos, que apenas sabe escrever sobre as peripécias do PSD.
De facto, quem é que quer saber do Santana Lopes e do Filipe Menezes, que é lider do PSD às vezes?

2 de março de 2008 às 07:23  

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