26.2.08

Crianças

Por João Paulo Guerra
A pobreza infantil é uma nódoa da política portuguesa já marcada por situações de fome. Ora, se não têm pão, comam ‘brioches’.
AQUI HÁ UNS TRÊS MESES, numa cerimónia pública de apresentação de um livro, as palavras de um prelado português impressionaram vivamente quem as ouviu: “Cada vez que vejo um pobre a dormir na rua penso que nesse dia e por esse motivo o governo do país devia cair”. O que terá proclamado o bispo ao ler, nos jornais de ontem, os dados europeus sobre a pobreza infantil em Portugal? Há estatísticas que trazem consigo tanto sofrimento e amargura de tanta gente indefesa que só mesmo corações empedernidos e sensibilidades sociais embotadas podem ficar indiferentes. É o caso dos dados europeus que, uma vez mais, envergonham Portugal e deveriam rebaixar os titulares do poder em Portugal.
Só que os titulares do poder estão tão inebriados consigo próprios, tão enlevados com a sua própria propaganda, tão extasiados com os elogios das clientelas, tão cegos pelo brilho do dinheiro dos compartes e pelo sucesso dos interesses que não há miséria que os comova.
No último caso conhecido, os dados europeus revelam que Portugal é o segundo país europeu onde o risco de pobreza infantil é maior e mais duradouro. A situação piorou desde o relatório anterior e hoje em Portugal já existe um número considerável de crianças que sofre de sérias carências alimentares. Não consta que o Governo, de acordo com a vontade do bispo, tenha caído e nem é de prever que se tenha sentido minimamente incomodado. As muito pobres crianças portuguesas – uma em cada cinco – se não têm pão que comam ‘brioches’, como dizia Maria Antonieta, e siga em frente a tilintante marcha dos interesses.
«Diário Económico» de 26 Fev 08 - c.a.a.

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