28.1.08

O Polícia e a Segurança Privada

J. L. Saldanha Sanches
O MERCADO DE CAPITAIS tem dois tipos de regulação: a que é feita por entes públicos e a que tem como executores agentes privados actuando nos termos definidos pela lei.
Tal como temos a PSP e as agências de segurança.
Os reguladores privados – auditores - são uma invenção anglo-americana e sua função tem por base um aparente paradoxo: devendo cuidar dos interesses dos accionistas (existem para fiscalizar as contas das grandes sociedades por acções) são contratados e pagos pelos gestores cuja actuação devem vigiar.
Uma farsa?
Sim, quando a captura do regulador pelo regulado leva à inteira complacência do auditor na certificação das contas da empresa; está falida e a informação contida no balanço leva a sua cotação à estratosfera como sucedeu com a Enron.
Deixa de ser uma farsa quando os tribunais funcionam: o escândalo Enron levou ao colapso da venerável Arthur Andersen com os seus sócios a enfrentarem acções cíveis demolidoras.
Tudo passa por saber duas coisas: o que pode e deve ser exigido ao auditor e como reage o aparelho judicial a estes infortúnios do mercado.
O nó do problema é o grau de diligência exigível ao auditor:
um dos temas clássicos na jurisprudência anglo-americana e que há pouco chegou aos tribunais da Europa continental.
Questão sempre difícil: é apenas claro que é no receio dos custos de uma acção judicial e nos perigos para a reputação (em especial se a empresa de auditoria actua no mundo inteiro) que reside a esperança de comportamento eficiente do auditor.
No entanto, uma coisa é óbvia: o regulador privado vai sempre agir dentro dos parâmetros de conduta que são definidos pelo regulador público. Toda a gente no Estados Unidos espera que a Securities and Exchange Comission, paga pelo dinheiro dos contribuintes e regulador de última instância (a certificação rotineira das contas é o negócio dos auditores), reaja fortemente se estes não procedem à devida revelação (disclosure) de comportamentos duvidosos da empresa por si auditada nas reservas emitidas aquando da certificação das suas contas.
Por isso, o que deve fazer o auditor se o comportamento duvidoso do seu cliente é do conhecimento do regulador público e este opta por nada revelar?
Nada: o comportamento mais adequado é ficar muito calado, certificar sem reservas e talvez deixar na certificação alguns sinais cabalísticos (veja-se o conteúdo da nota 1) que talvez mais tarde possam ser devidamente interpretados. E manter as suas relações com o seu cliente em especial se este é um cliente importante.
Se a PSP sabe do assalto e não actua o que pode fazer a Securitas?
Ora os dados já revelados no caso BCP parecem apontar neste sentido. Se forem exactos, o Banco de Portugal (regulador público) sabia.
Ora se o Banco de Portugal sabia, e se apesar das irregularidades a situação da empresa era sólida e a sua continuidade não merecia dúvidas (o supremo crime do auditor é não ver, devendo ver, uma falência que se aproxima), o auditor não podia ser mais intransigente. Seria ser mais papista que o papa.
Tudo isto constitui o exemplo clássico da captura do regulador (Banco de Portugal) pelo regulado (banca privada)? É pior. Não há captura. Há osmose.
O Banco de Portugal nunca se viu como o polícia da banca mas como a sua cúpula institucional e o seu representante junto dos poderes públicos. Uma instituição aprazível que recentemente passou a redistribuir as suas poupanças pelos seus antigos administradores por mais curta que fosse a sua estadia.
Só que os tempos vão maus para esses aprazíveis locais.
«Expresso»-26 Jan 08/http://www.saldanhasanches.pt/

Etiquetas:

1 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

Não seria de os ROCs e auditores externos terem "um período de validade" relativamente curto? Tipo: um "mandato" de x anos, não renovável. Quando se eternizam nas empresas será difícil escapar à captura. Não resolveria o problema? Talvez não, mas atenuá-lo-ía, penso eu.

28 de janeiro de 2008 às 19:25  

Enviar um comentário

<< Home