21.1.08

A minha prima vai casar

«A Liberdade guiando o Povo» - Delacroix
Por Alice Vieira
PERTENÇO AINDA ÀQUELA GERAÇÃO para quem a França não era um país como os outros. “A França”, repetia-me o meu tio Joaquim, “é a terra da cultura”.
A França era Joana d’Arc, os Luíses todos, Napoleão, De Gaulle, as bibicletas e as boinas da Resistência, “le temps des cerises” na voz de Montand, e as palavras de Aragon na voz de Monique Morelli, mas também Piaf, Gréco, Barbara, Aznavour, Bécaud, Ferre.
A França era Balzac, Proust, Gide, Valéry, Éluard.
A França era o país com mais portugueses depois de Portugal.
A França era o lugar que acolhia aqueles que a ditadura perseguia.
A França era Paris, o Arco do Triunfo, o cheiro dos castanheiros no Boulevard Saint Michel, a rua íngreme diante da Sorbonne onde eu vivi, os cadernos que eu comprava na Gibert Jeune e que nunca encontrei em mais lado nenhum, as velhas do Jardim do Luxemburgo, Maio de 68, Sartre, Beauvoir, a liberdade.
A França ainda foi, para o bem e para o mal, Mitterrand.
Depois tudo esmoreceu. As grandes causas diluíram-se, os grandes homens desapareceram, a terra da cultura é agora a Internet, e a França tornou-se num país como os outros.
E confesso que, para mim, a canção francesa e a literatura francesa também tinham parado mais ou menos por essa altura.
Por isso quando, há cerca de quatro anos, eu trabalhava em Bordéus num projecto do departamento de Cultura e Educação, para refrescar um pouco a minha cultura pedi a dois amigos franceses que me dessem um CD daquilo que eles considerassem o melhor que então por lá havia.
Sem saberem um do outro, ambos me deixaram no colo o CD da Carla Bruni.
Olhei para a capa, ela estiraçada no chão sobre a guitarra a lembrar o seu passado recente de modelo, e não me convenci lá muito.
Mas quando cheguei a casa e pus o CD a tocar — pronto, confesso, durante muito tempo não ouvi outra coisa, e barafustei muito por ele ainda não se vender por cá (chegaria um ano depois!) e por ninguém acreditar em mim quando eu defendia a ex-modelo.
Porque ela não apenas canta (e já seria bom…) com aquela magnífica voz rouca de quem acabou neste preciso momento de sair da cama - como ainda por cima é ela quem escreve a música e as letras de todas as canções.
Desde esse momento, portanto, a Carla Bruni é da minha família.
Por isso, quando de repente a vejo romper das páginas de todos os jornais e revistas abraçada a Nicolas Sarkozy é assim como se, a bem dizer, o Presidente da França fosse casar (já terá casado?) com uma prima minha. E não tenho dúvida de que o Eliseu ficará muito mais animado se ela andar pelos corredores, agarrada à viola e a sussurrar “il faudrait que tout le monde réclame / auprés des autorités…” Antes essa do que a outra em que ela confessa adorar que lhe murmurem ao ouvido as três sílabas do nome de Raphael… Mas como Nicolas também tem três sílabas, pode ser que a cantiga consiga ser adaptada às circunstâncias. A minha prima é moça para isso e muito mais.
«JN» de 20 de Janeiro de 2008

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3 Comments:

Blogger Errante said...

Não considero, de todo, que Carla Bruni seja o que de melhor há em França! Pronto, também tenho primas desse género, mas retiro-as do meu testamento quando "primam" pelo sensacionalismo e por mais um pseudo-casamento de fachada!

lembro-me, agora, de uma reportagem que se intitulava "Os segredos dos homens feios"! O Nicolas deve ter uma personalidade de ouro! ( pelo menos para 'uma' francesa! )

21 de janeiro de 2008 às 20:37  
Blogger R. da Cunha said...

Franco-italiana, ao que julgo e, ao que leio, não se dará bem em dormir muitas noites seguidas na mesma cama. Será, ou são as más línguas?

21 de janeiro de 2008 às 21:15  
Blogger O Puma said...

FOI O MELHOR QUE OS DOIS FIZERAM

NA VIDA - NA CAMA.

QUANTO À POLÍTICA

ESPERO QUE SEJA - TAMBÉM -

UMA PASSAGEM

A FRANÇA MERECE MELHOR

21 de janeiro de 2008 às 21:35  

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