29.3.07

Grandes amigos!

Elementos básicos para o estudo do projecto de construção de um filho da puta

Se lhes telefonarmos de manhã na segunda-feira, ainda não chegaram.

Se os tentarmos contactar de tarde, o senhor Doutor acumulou uma série de coisas para a parte da tarde e vai estar muito ocupado.

Se lhe falarmos de manhã na terça-feira, temos de esperar pelo meio-dia, mas depois, entretanto, a chamada perde-se e os serviços encerram para almoço.

Da parte da tarde o senhor Engenheiro não pode. Tem reunião das Comissões.

Na quarta-feira tornamos a tentar, mas é dia de reunião de Câmara, nem pensar, anda tudo num virote.

Na quinta-feira o senhor Arquitecto foi a Lisboa, reunir com o Secretário de Estado de não sei quê, vai estar ausente o dia todo. Lamento.

Na sexta-feira de manhã tentamos de novo, mas o senhor Presidente está em reunião de trabalho, não pode atender. Da parte da tarde tentaremos ainda, mas o Senhor não se consegue contactar. Saiu mais cedo e acho que já não deve voltar.

Na semana seguinte tornamos a insistir. Deixamos um recado humilde na Secretária do senhor Doutor – Arquitecto, Engenheiro, Presidente… – ela própria Dr.ª. Avisam-nos. Dr.ª Fenegundes do Ó, mais precisamente.

Dizemos o nosso nome, envergonhadamente, e solicitamos um minutinho só de atenção para o nosso problema. Normalmente a Secretária pergunta-nos o nome de novo, o que nos releva a nossa falta de importância. Sim. Quem somos nós para incomodar o Senhor Doutor?
“- Quem?! Não se importa de repetir? Ah sim… e que assunto era?”

Fiando-nos no encaminhamento regular das coisas, nós só voltamos a incomodar na 4ª-feira.

“- O senhor Presidente, efectivamente, recebeu o recado, esteja descansado que lhe foi transmitido. O problema é que ele se desloca amanhã ao estrangeiro, pois vai haver uma geminação com Shing-Wa-Choi, notável cidade coreana também ela ilustre no domínio das cutelarias…”

Resultado – o senhor Presidente vai estar ausente duas semanas.

“- Assim que vier, ele terá todo o gosto em apreciar o seu caso…”

Qual caso meu Deus?! Eu ainda não expliquei nada!

E compreendo que são palavras simpáticas, nada mais…

Andámos de bandeiras ao vento, na manifestação, lembro-me bem, gritando o povo unido jamais será vencido. Ajudei-o a trepar ao palco e a fazer o primeiro discurso quando ele chegasse àquela terra, porque não sabia bem o que dizer. Segredei-lhe “fala nos passeios por concluir e numa estátua ao lavrador. Vai cair bem…”

E o tipo, sem grande capacidade literária, atropelando palavras e enrolando perífrases de gosto duvidoso, lá referia entre vivas ao partido – a um partido qualquer, diga-se em abono da verdade, pois eu já o vira almoçar com os outros, para o caso deste não o propor como candidato… – o discurso encomendado e a agrado do povo.

“- Pedro deixa-te ficar aí… isso mesmo!” – pedia-me ele, dando-me o braço.

E eu rejubilante quando o homem foi eleito a primeira vez….

Estúpido! Quase senti aquilo uma vitória pessoal.

Nada quis. Aliás, o que me propôs foi uma vaguíssima promessa de lugarzinho na Misericórdia, em lugar não remunerado, mas “muito influente”.

Ora eu queria era ser nomeado era Comandante dos Bombeiros. Desde pequeno que sonho com o capacete amarelo dos bombeiros, toda a gente a admirá-los e a bater palmas. E depois a Banda, os bombos, a continência, as agulhetas!... Caramba! Grande categoria!

Ingrato!

Acontece que o sujeito foi reeleito. Entretanto foi convidado para Director Geral adjunto. Depois para assessor do Subsecretário de Estado e, finalmente, Deputado.

O que o homem trepou, caramba!...

Olho para o seu número de telemóvel – dado em campanha, há talvez uns oito anos atrás – e custa-me estar a incomodá-lo.

“- Se calhar tenho de tentar resolver de outra maneira... “ – penso eu.

E por um momento, dou comigo ruminando.

“- O sacana deve estar a ganhar uma pipa de massa, filho da mãe. E eu aqui a viver da reforma. Com tanto que eu ainda tinha para dar. A saber conjugar o conjuntivo e tudo! Chiça! A tocar piano e a falar seis línguas!” – e fervo.

De facto. De que me serve afinal ter três Secretários de Estado e vinte e dois Deputados a quem trate por tu?! Um Ministro que foi meu colega no Passos Manuel e era pior aluno que eu – enfim acho que talvez fosse melhor a Matemática…? Directores Gerais que foram meus alunos no Liceu do Estoril… eu sei lá que mais! De que me serve, se já nada lembram, nada me dizem, nada sonham e tudo se transformou?!

E presidentes de Câmara? Quantos serão? Então aquele sacana do Zèzinho não foi Presidente 3 mandatos e nunca me convidou para concerto nenhum na terra dele?! Ele a mamar e eu vivo de quê?! A fazer que não me conhecia, o jeitoso!... Sim tu! Moravas na Travessa de Jesus numa cave, lembro-me bem, eras um aluno médio sempre com um ar muito limpinho. E eu no Quadro de honra, feito estúpido. A marrar para quê?

“-De que me serve a memória, meu Deus?”- pergunto-me, engolindo a mocidade ida.

Eu vou mas é ligar a este caramelo e dizer-lhe o que penso! Dele e dos outros todos. Tudo uma cambada; tudo igual. Ou antes, já sei! Vou escrever-lhes cartas. Vou humilhá-los. Mostrar que o velho colega de escola que era barra no Português ainda continuará, por muitos anos, a envergonhá-los. A eles, que mal sabem falar, improvisar ou redigir.

Mas. Porém. Todavia. Contudo.

Escrevo-lhes cartas e e-mails e nem resposta.

“- Filhos da puta!” – desculpem lá. Ponham a bolinha, pronto. Não há outro nome!

Telefono. Perco a cabeça e telefono mesmo ao tal sujeitinho. Do outro lado, a surpresa:

“- Pedro! Meu bom companheiro! Que saudades tenho de ti! Quando é que a gente se pode ver, meu velho amigo? Sempre a considerar-te! Olha, agora estou a meio de uma reunião eu torno a ligar-te dentro de meia hora, ok??!”

Fico subjugado com tamanha confiança e prova tão espontânea e inequívoca de camaradagem! O homem afinal não é tão mau assim. Prometeu que ligava assim que pudesse. Sorrio. Afinal ter amigos ainda vale qualquer coisa. Vale a pena esperar.

Neste caso, pelo menos, ainda espero. Há três anos.

Mas o homem, a bem de ver, é pessoa ocupada, não é verdade?

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei muito deste relato.
Muito real.

29 de março de 2007 às 15:30  
Anonymous Anónimo said...

Caro Pedro Barroso,

Não falta gente a ler isto e a pensar:

«Olha, esta também se passou comigo!»

Duarte R.

29 de março de 2007 às 16:14  

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