24.3.07

Exmo. Sr. Ministro do Turismo do Brasil

Excelência,

Sei que nunca vai ler esta carta, o que me deixa tranquilo. A não ser que os serviços de informação da República funcionem, na minha óptica, melhor do que está funcionando o Turismo que Vª Ex.ª superiormente gere.
Mas pode sempre acontecer que alguém conhecido de um conhecido de outro conhecido lhe sopre um dia qualquer coisa. Compreenda também que este espaço onde lhe escrevo é um blogue português que acaba de celebrar o quarto de milhão de leitores, o que não é despiciendo, creio, nos dias que correm de tão apressadas vidas e tão pouco tempo para leituras.
Com efeito, tem Vª Ex.ª matéria prima que nenhum país do mundo desdenharia; nem em riqueza, nem em beleza, nem em paisagem humana, clima, alegria, simpatia e divulgação.
O que corre mal então no país de Vera Cruz?
Antes de fazer meu relatório crítico, ou se assim o quiser entender, a minha análise do que tenho vivido na pátria amiga e irmã, convém dizer-lhe que sou um andarilho do Mundo, graças à minha profissão.
Como músico e homem da palavra e da poesia, sou um personagem que de Toronto a Estocolmo, de Macau a S. Paulo, de Lisboa a Budapeste, várias vezes cruzou os mares, várias e diversas nações conheceu.
Daí acontecer que já possuo, junto com a respeitável experiência de quase quarenta anos de vida artística, alguns milhões de quilómetros corridos, sempre como amante da vida e da paisagem; da boa mesa e da relação humana. Respeito os hábitos nacionais, as vestes e costumes. Respeito as religiões todas e, como escrevi algures, acredito profundamente em Deus, em todos os deuses, grandes e pequenos, mesmo naqueles que, não acreditando muito já em si mesmos, se perderam algures a meio caminho entre a descrença e a excessiva flagelação.
Não sou, pois, um noviço que lhe debita uma qualquer nota ocasional no livro de reclamações por uma viagem que lhe tenha corrido mal.
Visitei já o Brasil 5 vezes. Uma delas foi como convidado de honra da Gala dos 50 anos da Casa de Portugal em S. Paulo.
Fui assaltado uma vez e roubado noutra. Tive entrevistas adiadas por ter acontecido o mesmo aos meus entrevistadores. Ocultei os relógios, os fios de ouro, a carteira, os documentos, o dinheiro, como, ao que parece, é recomendável por todo o seu País.
É desagradável, sabe? É, de facto, muito desagradável.
Acabo desta feita de chegar de Salvador, onde um jornal escrevia, contabilizando, que tinha havido 216 mortes violentas nos últimos sessenta dias. Acredito.
S. Paulo é a urbe imensa que sabemos. Fui roubado em plena Avenida Paulista. Fui roubado no táxi um dia no Rio de Janeiro. Fui ainda roubado uma outra ocasião no próprio hotel onde fiquei, pois confiei demasiado na honra das camareiras e não usei o cofre. Culpa minha, portanto. Essa vez nem conto.
Desta vez escolhi como alvo Porto Seguro por razões sentimentais de português que desejava conhecer a primeira praia de desembarque de Cabral e desloquei-me a Coroa Vermelha, Arraial da Ajuda, Trancoso. Depois fui de Salvador a Itaparica, Ilha dos Frades.
Enfim, andei um tanto por ali, como vê. Nas estradas que há e têm traiçoeiros buracos para partir os carros e nas que nem sequer há, portanto, nem dá para fazer reclamação.
Achei a água suja, quase negra em Porto Seguro e as praias inseguras e porcas. Desconheço se os esgotos da cidade vão encanar ali mas várias vezes abri a torneira e a água saiu barrenta e muito pouco fiável.
Por toda a parte havia pelo areal uma quantidade enorme de paus, pedras, garrafas, seringas, latas, lixo natural ou provocado. Os concessionários de espaços na praia, indiferentes, limitavam-se a praticar o desporto de exploração desenfreada do turista incauto, com uma comida incrivelmente cara, como se estivéssemos num restaurante chique de Paris.
A qualidade era algumas vezes muito baixa, o serviço péssimo, a lentidão exasperante, a limpeza medíocre, a confecção complicada e ocultadora da eventual frescura ou dos méritos da peça de peixe ou carne que estava à nossa frente. Na consequência dessa ocultação e eventual desonestidade culinária, apanhei uma ligeira gastroenterite, que fui combatendo conforme consegui. Notei que nuns restaurantes não havia menu, noutros não havia pão, ou coisas tão naturais como manter água mineral no frio.
Restaurantes houve em que anunciavam uma dose para duas pessoas, a qual depois se limitava a um miserável e envergonhado filete solitário. Se Vossência um dia nos der a subida honra de um pulo à nossa terra, terei todo o prazer em, de norte a sul, lhe apresentar alguns quartos de dose individual que ultrapassam a tal dose pseudo dupla.
Mas pedir uma água fresca e não haver, ultrapassa tudo o que podia imaginar. E não pense que era em restaurantes de favela. Não. Tudo acima dos 80 reais as duas pessoas. Chegaram a cobrar-me em Salvador dois reais e meio por cada garrafinha de água, num local de esplanada onde me aconselharam a esconder o celular, pois corria riscos de ser… roubado. Afinal o roubo maior era o do próprio gerente.
Num hotel de 4 estrelas, também em Salvador, o ar condicionado, apesar de muito ruidoso, era simplesmente virtual, o que, em conjunto com a temperatura de 35 graus, a humidade e os mosquitos, provocou – como Vossência facilmente imaginará – noites de luxúria e prazer inenarráveis, em que foi muito lembrado.
Curiosamente quando, em desespero de causa, exigi um ar condicionado que funcionasse, só à 3ª tentativa consegui uma pequena “suite” com as cadeiras rasgadas, mas onde infelizmente tive de conviver com os desagradáveis insectos pois a única bomba de spray anti-mosquito que tinham para todo o hotel tinha acabado.
Resumindo : - por todo o lado a simpatia do povo brasileiro é afogada por uma natural desconfiança permanente. A qualquer abordagem – e a mendicidade directa é uma praga digna de terceiro mundo – nós nunca sabemos se é para nos roubar, matar, pedir dinheiro, sequestrar ou perguntar as horas.
Há uma ciclópica tarefa de educação cívica a fabricar, para que a vida de cada ser não seja entendida por bandido como um facto de somenos importância. Desde menino que o valor da vida e do respeito pelos outros deve ser exaltado.
Li no dia de partida que o Senado aprovou para crimes hediondos, que o condenado passe a cumprir dois quintos da pena efectiva. Fantástico! O que cumpria então, até tal ocasião, não faço ideia; mas inquieta saber que, mesmo em caso de crime hediondo, o sujeito vai sair tão cedo.
Justiça pedagógica? Não, caro Ministro, desculpe. Isso é desfalque directo na prateleira da consciência e do convívio entre os povos.
Chego à conclusão que o Brasil onde queria ir descansar e comer lagosta à beira mar por um preço módico com simpatia e bem-estar, já não existe; ou tive uma sorte madrasta em tudo o que vi.
Turismo assim, mesmo com paisagens de sonho e gente boa que sabe ainda sorrir com a cara inteira, é invenção de novela.
Agarre, por favor, este país de sonho e legisle urgentemente para o limpar de pesadelos.
Um amigo meu disse com ironia – cuja é, como sabe, um patamar mais alto da inteligência – que a melhor maneira de invadir o Afeganistão era com mini-saias. Em alguns meses as burkas deixariam de fazer sentido. E os talibans ficariam desesperados.
Como corpos esculturais e bendito amor pela dança e pela vida já existe exuberantemente no seu maravilhoso país, compete-lhe então achar o antídoto rapidamente.
Aperte com os oportunismos e a exploração desenfreada ao turista menos prevenido. Potencie todo o verde, o areal e as belezas naturais imensas que essa pátria linda possui. Limpe onde precisa ser limpo e não deixe cortar a floresta às centenas de hectares seguidos, como eu vi. Junte todos os seus melhores especialistas e ataque desde já este grande, enormíssimo problema que tem em mãos.
Ofereço desde já, como prova de minha boa fé, uma magnífica caixa de duas dúzias de spray anti-mosquito, a distribuir gratuitamente por todos os hotéis de Salvador.
Comecemos por aí.
Pôr-me de mini-saia seria, convenhamos, confrangedor.

O viajante,
Pedro Barroso

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

sr. Pedro Barroso

Aqui quem lhe escreve é uma brasileira,filha de portugueses, e as minhas palavras não poderiam ser outras, que não as suas ! Estamos vivendo em uma verdadeira guerra e ninguem toma providências .
O senhor foi muito feliz em tudo que escreveu, parabéns.

25 de março de 2007 às 21:49  

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