18.2.07

O destino em manobras

FOI PENOSO OBSERVAR como foi evoluindo, no terreno da campanha, a posição do PSD no referendo. Começou numa neutralidade táctica que libertou dezenas dos seus mais conhecidos quadros políticos para o campo adversário. Passou depois a um conúbio indisfarçado com o "não", a pretexto de ser essa a legítima posição pessoal do líder. Terminou com a adopção de uma acrobática teoria que Marcelo Rebelo de Sousa engendrara para sua própria preservação, mas que fazia perder mil votos para a abstenção por cada um que lograsse cativar.
Tudo isto correu tão mal que o PSD surgiu mais penalizado do que o CDS (que segurou com força a trela do "não" e correu, ofegante, atrás dele durante quinze dias).
Perfilavam-se entretanto novas e delicadas batalhas: as do rescaldo do referendo, com a transferência política da matéria votada para o domínio jurídico da lei ordinária. Era preciso juntar os cacos, cuidar dos feridos, reorganizar trincheiras. Era preciso, pois, fazer esquecer os juízos que a campanha e as urnas instalaram no eleitorado.
Para isso, os grandes tácticos sugerem sempre uma manobra de diversão. Mas uma manobra que, para ser credível, deve estar virada, não contra os adversários do PSD, mas sim contra ele mesmo. E aí o destino fez surgir o génio, aquele que por vezes lateja sob os escombros das grandes derrotas: soltar o ilimitado potencial de inépcia, confusão e tiro aos pés da equipa camarária do PSD em Lisboa. Assim foi: e à cratera financeira, às obras paradas, à sensação de uma autogestão omissiva, à ruptura da coligação com o CDS, à auto-suspensão da vereadora do urbanismo, iriam assim suceder delirantes jogadas (como a do seguro de saúde para todas as crianças da cidade) mais o não-suspende-mas-suspende que tirou de cena o vice-presidente e obriga a novas redistribuições de pelouros.
Esta manobra de diversão, porém, descontrolou-se. A ninguém se deseja o dia atormentado e caótico que foi o de sexta-feira, na S. Caetano e na câmara. É uma nova e formidável derrota da imagem do PSD na cidade capital. Agora, bem vistas as coisas, aquilo de que ele precisa é de uma manobra de diversão que afaste da câmara as atenções. Uma coisa que, para ser credível, tem de estar virada, não contra os adversários, mas contra o próprio PSD. Algo digno do génio que por vezes lateja sob os escombros das grandes derrotas.
Sugiro, pois, que o PSD volte ao aborto.
«DN» 18 Fev 07

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Faço minhas as palavras de Luciano Amaral no DN de 15/02/2007 :

É a história da democracia portuguesa : só o PS pode jogar em todos os tabuleiros.

Foi agente de radicalização do PREC até se ter reinventado como líder de uma frente direitista para pôr termo ao PREC.

Foi guardião das "conquistas irreversíveis de Abril" consagradas na Constituição de 1976 até se decidir a ajudar a revertê-las na revisão constitucional de 1989.

Foi o grande ideólogo do "Estado social" durante o "guterrismo", para agora aparecer como o partido da "reforma" do "Estado social".

Quer dizer, atrasou sempre o processo de transformação institucional e económica do País, para melhor poder afirmar-se depois como o único intérprete legítimo das mudanças "necessárias".

Nos períodos de contenção da mudança acusa PSD e direita de serem algozes do "Estado social".

Nos períodos em que assume a "necessidade" da mudança acusa-os de promoverem o "neoliberalismo selvagem", de quererem ir longe de mais.

Graças a esta estratégia bem sucedida, a verdade é que o PSD ficou circunscrito, ao longo dos últimos 30 anos, ao papel de coro grego, na oposição, ou de mero gestor da realidade criada pelo PS, no poder. (...)

Jorge Oliveira

19 de fevereiro de 2007 às 07:52  

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