25.9.06

ROUBARAM-NOS O MAR E O CÉU (*)

NESTES dias ainda quentes, há muita gente a passear no novo paredão que se construiu entre a praia de Santo Amaro e a Marina de Oeiras. Caminha-se junto ao rio e ao mar, vê-se o farol do Bugio, olha-se para a outra banda. Entrevêem-se ao longe as ondas, espumando junto aos bancos de areia. As passeatas estendem-se pela noite. O caminho está iluminado e é seguro. Mas parte da iluminação está virada de baixo para cima, com candeeiros embutidos no chão, como agora parece ser moda. Ao lado, alguns postes iluminam tudo, despejando jorros de luz sobre o paredão, sobre as rochas e sobre a areia. Pode-se passear à noite, mas a sensação é estranha. Parece que se está num ambiente totalmente artificial, apesar de se estar ao ar livre. A luz sobre os passantes é tanta que esconde o mar, ofusca as zonas menos iluminadas da outra banda e engole o céu. Não se vêem as estrelas, não se vê o rio, não se vêem as ondas. Alguns grandes prazeres desapareceram. O contacto com o céu nocturno, a descoberta das estrelas, o reconhecimento das figuras das constelações, tudo isso é impossível com a luz a bater-nos nos olhos. O próprio mar desapareceu. As ondas desapareceram.
E não é só em Oeiras. É um pouco por todo o país. Mas a natureza poderia não ter sido ocultada se as câmaras municipais, em vez de se comportarem como novos-ricos, estudassem a forma de iluminar os caminhos. Bastaria que seguissem o que há muito se sabe ser boa iluminação: iluminar o que é preciso, moderadamente, de cima para baixo e não de baixo para cima, sem apontar candeeiros aos olhos das pessoas e sem apontar holofotes para as nuvens. A poluição luminosa é também poluição. Não nos rouba o ar puro nem a água limpa, mas rouba-nos o mar e o céu. E sem céu não há astronomia nem poesia.
(*) Adaptado do «Expresso»

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora aqui está um texto certeiro! Só é pena que seja como falar para o boneco...

25 de setembro de 2006 às 13:57  

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