30.7.06

Terrorismo de papel (*)

RECAPITULEMOS. A coisa começou directa e simples: por ter trabalhado na RDP durante poucos meses de 1975, o deputado Manuel Alegre iria agora receber uma pensão de reforma de mais de três mil euros. A fonte era a lista dos aposentados e reformados da Caixa Geral de Aposentações, pelo que não se viu necessidade de ouvir um técnico, nem um jurista, nem a própria Caixa, nem o visado. Por legal que isto fosse, o contexto de banda gástrica em que vivemos garantia à partida a ira da multidão.
Logo se produziram inúmeros comentários pressupondo que o direito a uma pensão naquele montante decorreria desses escassos meses de trabalho. E o cidadão, sabedor por experiência própria de que nenhum dos vários empregos que teve lhe assegura por si só uma reforma por inteiro, foi naturalmente levado a pensar que se trataria de uma prerrogativa de Manuel Alegre ou, mais plausivelmente, dos deputados em geral.
Dois dias depois, gente séria de origem vária destruíra já a ideia. Mas não se ouviu um pedido de desculpas: nem a Alegre ou aos deputados, nem aos leitores ou telespectadores. Aquilo que tão zelosos acusadores fizeram foi substituir uma perfídia por outra: a da insinuada imoralidade de ele pedir a reforma, deixando presumir que o fez na ganância de acumular com o vencimento dos deputados.
Foi então esclarecido que ele nem pedira nada, tudo resultando do automatismo legal resultante da idade. E também que, já com este Governo, se tornou obrigatório renunciar a dois terços de uma das verbas em acumulação. Por isso, admitiu-se que chegara a hora do tal pedido de desculpas. Mas não. Os aflitos Torquemadas passaram a dissertar sobre a imoralidade da acumulação da reforma com a subvenção vitalícia dos deputados. É a mera fuga em frente, à procura de um terreno onde possam salvar a face. Porque foi em nome dessa talvez imoralidade (mas que teve óbvia justificação histórica), e não por iniciativa ou pressão dos acusadores de hoje, que foi já extinta para o futuro a subvenção vitalícia.
O certo é que, neste carrossel de falsidades, onde tiver havido boa-fé, houve negligência grosseira, e onde tiver havido competência, houve má-fé. Mas é claro que nada acontece, nem aos ineptos nem aos Catões de algibeira. Parece que nada lhes trava o terrorismo de papel. A menos que a impunidade de que gozam cá por baixo lhes ensombre os autos no Dia do Juízo.
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(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Esta conversa do Brederode Santos não interessa para nada. É pura prosa socialista. O que interessa é saber se a reforma de Manuel Alegre decorre de descontos efectuados regularmente ao longo dos anos. Se sim, tudo bem. Se não, tudo mal. Já ouvi falar na primeira hipótese, mas confesso que me custa a crer que o homem tenha estado três meses na RDP e tenha ficado a descontar pela vida toda. Enfim, aceito uma explicação plausível, mas não nos venham com discursos piegas de intelectuais de esquerda.
É que, por sinal, recordo-me muito bem daquele dia em que vi Manuel Alegre na RTP, era ele secretário de estado, a garantir que o jornal “O Século”, que tinha sido acabado de fechar, por ele, ia voltar a abrir no prazo de três meses. Abriu, não abriu ?!
O problema é que os nossos políticos não têm qualquer credibilidade. A imagem que projectam é a de salteadores de vão de escada. Por isso, temos toda a legitimidade para ficar desconfiados até das reformas que lhes são atribuídas. Foi o que aconteceu neste caso.
Jorge Oliveira

30 de julho de 2006 às 13:59  
Anonymous Anónimo said...

Dizer que «Esta conversa (...) não interessa para nada» teria lógica se o Marques Mendes não se tivesse atirado ao assunto como fizeram os gajos do «24 Horas» e do «Correio da Manhã».
Com uma "oposição" destas, Sócrates bem pôde ir de férias sossegado.

Ed

30 de julho de 2006 às 16:40  
Anonymous Anónimo said...

Eu não quero saber do que diz o Marques Mendes. O facto de eu ter escrito, acintosamente confesso, que se trata de “prosa socialista” tem as suas razões, que me dispenso de expor aqui, mas não significa que esteja a pensar nos argumentos de Marques Mendes. Nem do 24 Horas ou do Correio da Manhã. Penso pela minha cabeça. E a técnica de usar fumaça como argumento comigo não pega.
No concreto, continuo sem entender de que forma o Manuel Alegre descontava para a Segurança Social, se o próprio chegou a dizer que nem se lembrava disso. A conclusão a tirar é que esta história está mal contada. Mas que lhe faça bom proveito. Pelos vistos o país deve-lhe muito. Não sei que instrumento de medida foi usado para avaliar essa dívida (de gratidão, depreende-se) mas a verdade é que ele tem tido um vidão e há por aí uma data de gente a quem o país deve bastante e que tem reformas miseráveis.
Jorge Oliveira

30 de julho de 2006 às 22:34  
Blogger fado alexandrino. said...

os amigos são para as ocasiões, obrigado Nuno.

MA descontou durante trinta anos sem nunca ter posto os pés na empresa.
E o resto dos descontos quem é que os pagou?
Ocupou ou não um lugar que podia ser doutro?

Aqui é que está o problema.
O resto são conversas socialista no Grémio Literário.

31 de julho de 2006 às 17:18  

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