28.6.06

«KUNG FU»? (*)

ENTRE a indigência dos postais turísticos escritos sobre o joelho e os arrebicados comentários de especialistas que mais se assemelham a teses de doutoramento redigidas em linguagem cifrada, as estatísticas sobre a «batalha campal» travada em Nuremberga entre os brutos calmeirões holandeses e os bravos infantes lusitanos acabam por ser bem mais eloquentes. Durante 42,27 minutos (46,97 % do tempo) o jogo esteve parado. Nos restantes 47,73 minutos (53,03 %) a bola esteve na posse dos «guerrilheiros» lusitanos durante 17,48 minutos (19,42 %) e do «bando de facínoras» holandeses durante 30,25 minutos (33,61 %). Entretanto, foi batido o record mundial da indisciplina em jogos das fases finais de dezoito campeonatos mundiais (18), com dezasseis cartões amarelos (16) e quatro vermelhos (4) a serem distribuídos por um árbitro que mais parecia um perito militar da NATO incumbido de recrutar combatentes para integrarem as fileiras da nova força militar de intervenção rápida da organização. O Ocidente está a salvo.

Se isto foi um jogo de futebol, vou ali e já venho. A selecção holandesa parecia a quadrilha dos Irmãos Dalton, genialmente estúpidos e maus. De tal modo que as vacas holandesas, certamente indignadas com o comportamento dos seus conterrâneos, terão decidido mudar de campo e ir pastar para a relva delimitada pela grande área lusitana. Grato pelo apoio, expresso por aquele tiro à barra, Ricardo retribuiu com uma exibição leonina. Do resto – o golo da vitória – incumbiu-se o nosso Lucky Luke – Maniche para os adeptos – com um remate mais rápido do que a própria sombra. Primeiro reduzida a dez combatentes e, depois, a nove, a selecção de Luiz Felipe Scolari fez jus ao apelido do seu treinador e passou a jogar «à italiana curta», revelando enorme capacidade de absorção das linhas da frente (média e atacante) por parte da linha defensiva, tal como as legiões romanas descritas por Maquiavel em «A Arte da Guerra». Ainda assim, não sei bem se aquilo foi uma batalha campal, que justifica citações de Maquiavel, Clausewitz e Sun Tzu, ou se foi um combate de kung fu, que justifica a convocação, não exactamente de Bruce Lee (que já morreu), mas de Boulahrouz, aquele defesa direito que «arrumou» Cristiano Ronaldo com uma patada. Van Basten terá pensado em Bruce Lee.

Admito que, no auge da refrega, dei por mim a trautear o meu hino de trazer por casa: «Os pés da Pátria / Com a Pátria aos pés / Vão lutar pela Pátria / Aos pontapés». Mas, atenção, é mister não confundir patriotismo com nacionalismo. Conforme explica o insuspeito Timothy Garton Ash num excelente artigo sobre o Mundial: «O sentimento nacional não quer dizer forçosamente nacionalismo, com as suas conotações negativas de animadversão e desprezo. Pode ser patriotismo, isto é, que alguém quer muito ao seu país sem odiar os demais». É assim que encaro a próxima partida com a Inglaterra. «O melhor ainda está para vir», diz Sven-Goran Eriksson. «Para nós», espero eu!

(*) Crónica de Alfredo Barroso no «DN», aqui transcrita com sua autorização

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