30.10.05

«A Armadilha do Segredo Bancário» (*)

J.L. Saldanha Sanches

“O objectivo principal do combate à fraude fiscal tem de ser remover os obstáculos que a economia paralela (lembram-se do Relatório Mckynsey?) constitui para o funcionamento da economia portuguesa”.

A POSSIBILIDADE da banca negar à Administração fiscal o acesso aos dados referentes aos seus clientes já deveria ter terminado há anos: e deveria ter sido acompanhada de uma amnistia para todos os ilícitos fiscais anteriores. Como há muito defendemos.

O acesso da Administração às contas bancárias e a criação de penas de prisão para os ilícitos fiscais - como sucede em quase todos os países da OCDE – serve apenas para tornar mais fácil a detecção da fraude fiscal.

(Texto integral em «Comentário-1»)

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(*) Crónica publicada no «Expresso» de 29 Out 05 e aqui transcrita com autorização do autor.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A Armadilha do Segredo Bancário

J.L. Saldanha Sanches

“O objectivo principal do combate à fraude fiscal tem de ser remover os obstáculos que a economia paralela (lembram-se do Relatório Mckynsey?) constitui para o funcionamento da economia portuguesa”.

A possibilidade da banca negar à Administração fiscal o acesso aos dados referentes aos seus clientes já deveria ter terminado há anos: e deveria ter sido acompanhada de uma amnistia para todos os ilícitos fiscais anteriores. Como há muito defendemos.

O acesso da Administração às contas bancárias e a criação de penas de prisão para os ilícitos fiscais - como sucede em quase todos os países da OCDE – serve apenas para tornar mais fácil a detecção da fraude fiscal.

Empurrando a economia paralela para os confins da sociedade e evitando a concorrência desleal nos principais sectores da economia. Obtendo o grau óptimo de fraude fiscal: que se atinge quando a fraude já só pode ser reduzida com um esforço excessivo de fiscalização ou com normas que restrinjam de forma inaceitável os direitos fundamentais.

O objectivo principal tem de ser remover os obstáculos que a economia paralela (lembram-se do Relatório Mckynsey?) constitui para o funcionamento da economia portuguesa. E uma Administração fiscal a funcionar constitui um passo decisivo nessa direcção. Com mais eficiência administrativa e com o acesso que já existe à informação bancária há uma elevada probabilidade de descoberta se bancos auxiliarem os clientes em práticas que constituam fraude fiscal.

Se isso ainda acontecia é apenas porque alguns bancos continuavam a sentir-se ao abrigo de prerrogativas que já não existiam. Tornando-se vítimas de uma armadilha por eles próprios construída: o segredo bancário.

Verificada esta hipótese e com uma gestão adequada deste processo, para além dos custos financeiros para os implicados, poderíamos ter pura e simplesmente um virar de página nos hábitos fiscais.

Como nas facturas falsas: por mais mal conduzidos e injustos que possam ter sido os processos das facturas falsas puseram fim às formas mais grosseiras da fraude fiscal.

Com este processo sucederia o mesmo se acabasse em tempo útil.
Se acabasse em tempo útil; com as cobranças feitas e os processos julgados ou arquivados.
Se, pelo contrário, sucede a este processo o mesmo que sucedeu aos processos Isaltino, da Câmara da Amadora, dos sobreiros e a muitos outros (depois do big-bang um silêncio tumular) sabe-se lá quando isto vai acabar.

Os processos lá começar, começam. Mas depois não acabam.

Há buscas e apreensões espectaculares e os habituais lamentos e ameaças sobre a violação do segredo de justiça (o segredo de justiça, o segredo bancário e o segredo fiscal são a Santíssima Trindade das obsessões jurídicas portuguesas). Depois, nada.

O óbice está nas diferentes consequências: estamos em crer que se houver alguma incerteza, por exemplo, sobre o resultado do processo que paira como um fantasma sobre a Câmara da Amadora a contenção que isso pode provocar em alguns dos suspeitos do costume não será ruinosa. Pode até diminuir o número de certos negócios, aqueles que costumam conduzir a processos judiciais. Pelo menos enquanto não houver a certeza sobre o perpétuo não andamento do processo.

Mas estamos a falar de empresas e não de autarquias. As consequências são outras.

Um processo judicial tem que avançar, quer se trate de bancos, quer se trate de autarquias, mas enquanto o arrastamento da investigação e acusação dos múltiplos processos contra autarcas tem apenas como efeito completar o desprestígio da justiça o arrastar de um processo contra qualquer empresa pode criar prejuízos sem conta para essa empresa.

Contudo, sempre que a Administração fiscal detecte um crime deve comunicar ao Ministério Publico: é uma questão assente no domínio dos princípios.

O problema reside no facto de que enquanto a Administração fiscal portuguesa se começa a parecer com as suas congéneres europeias o sistema judicial com os seus atrasos e adiamentos, a sua permanente obscuridade, lembra-nos mais o da Venezuela.

Detectado um crime e com uma investigação já feita pela Administração fiscal o processo passou pelo Ministério Público. Tudo estaria bem se este fosse capaz de se ater ao essencial e acusar o que tivesse de acusar e arquivar o que tivesse de arquivar. Levando na devida conta o ter sido ou não ter sido reposta a verdade fiscal. Como a lei prevê.
Se assim não for é porque estamos numa daquelas situações em que o cumprimento dos princípios procedimentais de um Estado de Direito (entrega do processo ao Ministério Público) é um obstáculo a que sejam alcançados os objectivos de um Estado de Direito. Como a pronta punição da fraude fiscal.

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Crónica publicada no «Expresso» de 29 Out 05 e aqui transcrita com autorização do autor.

30 de outubro de 2005 às 11:16  

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