27.3.05

O meu navio

Se eu fosse “rico” não queria um iate à Abramovich ou à “famosos” lusitanos, comprado em Fernão Ferro e estacionado em Vilamoura. Ia viver a bordo dum daqueles vapores de chaminé altaneira, carregados de lenha no convés da proa, navegando sem rumo nem pressas, procurando ilhas humanas onde a solidão é lição de amor.
Há mais de 30 anos, subindo e descendo os rios Amazonas e Negro, aprendi a gostar destes velhos vapores olhando o rio, a floresta, as aldeias, as pessoas, os bichos, em cada paragem dois dedos de prosa, dois dedos de cachaça, sempre indo e vindo, peixe a grelhar ao sol, recados e lembranças de escala para escala, olhares furtivos, desejos escondidos, palavras de vida e de morte murmuradas na pressa do zarpar.
Quando há dias vi no “Estado de São Paulo” um navio destes, construído na América em 1913, a descer as curvas do rio São Francisco depois de dois anos no estaleiro, morri de saudade e recordei o amigo dum amigo meu que comprou um destes velhos barcos, encheu-o dos seus livros, meteu a bordo os seus quadros e um piano e morreu a navegar, mandando notícias de cada porto, tocando velhas canções de amor e escrevendo cartas de saudade. Se fosse “rico”, também era assim que eu queria...

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